A ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL: a ilusão do ensino humanístico



A educação em tempo integral, assim como outros projetos já lançados como salvadores da educação, se apresenta ao trabalhador como algo inovador e importante para a melhor e mais ampla formação dos jovens, entretanto como acontece com o PROUNE, o REUNE e outras políticas públicas para a educação, a escola de tempo integral representa muito mais um engodo e uma péssima maquiagem de um processo de privatização da educação em curso desde o período militar brasileiro e que se intensificou com os governos de FHC e Lula, a proposta de ensino em tempo integral está permeada de interesses escusos de empresas privadas e não representa objetivamente uma mudança real e concreta nos rumos que o ensino deveria tomar no Brasil.
Para compreender as intenções e as mudanças que devem ser operadas a partir da adoção das escolas em tempo integral é preciso considerarmos algumas circunstâncias e interesses que norteiam e financiam esse tão “aclamado” projeto. Entender esse cenário em que se insere a educação implica em compreendê-la como parte de um estado-capitalista cujo apanágio principal e razão de existir é ser um sustentáculo de um modelo econômico de produção baseado na reprodução do capital. Assim uma mudança na estrutura ou no modelo da educação estará sempre afinada com as necessidades do mercado e compromissado em reproduzir uma ideologia dominante onde o capital é sempre posto à frente do ser humano. Marx considerava ideologia como falsa consciência, e essa “falsa consciência” é fundamental para escamotear a luta de classes e provocar uma ilusão nas massas que a realidade pode ser modificada pela educação burguesa, assim o projeto de escola de tempo integral surge como sinônimo de mudanças, ganha uma aparência mais moderna agora para provocar frustração mais a frente. Como sempre acontece no capitalismo discurso e realidade não coadunam. Esse modelo de educação liberal proposto pelo pacto público-privado de escola de integral está longe de ser integrador, de permitir ao sujeito um conhecimento que não estava assentado em um dicotomia realidade/teoria, mas que ao contrário a teoria ajude a compreender e a transformar a realidade.
O modelo de ensino de tempo integral atualmente discutido e já aplicado em várias cidades do país tem como seu grande parceiro o Mercado, através de várias empresas que recebem isenção fiscal e em troca ajudam a manter essas “escolas especiais” que última instância servem para formar uma mão de obra barata e “qualificada” que pode atender as necessidades do capital para a formação do seu grande exército de reserva que precisa estar sempre disposto a aceitar, inclusive, a precarização das condições de trabalho e os baixos salários sem questionar as razões do desemprego ou dos baixos salários e das intensas exigências e numerosas horas de trabalho.
A escola em tempo integral em si não é o problema, tão pouco é uma má ideia garantir aos jovens mais tempo na escola, por isso há quem aceite com entusiasmo o discurso do estado-capitalista que essa é uma tendência essencial para a melhoria do ensino no país, contudo mais vez realidade e retórica são contraditórios, pois não há intenção de universalizar as aulas em tempo integral no ensino básico. A ideia é criar escolas de tempo integral em algumas áreas periféricas e ao mesmo tempo manter as escolas que funcionam em único turno. Essa medida, da forma como está posta deve, inclusive, colaborar para a diminuição de vagas, principalmente no turno noturno; em se concretizando o que está em curso as escolas de tempo integral receberiam mais recursos públicos e privados que as outras escolas, estas por sua vez, ficariam ainda mais defasadas e abandonadas pelo poder público, esse sucateamento da escola pública de turno único (que continuará a ser majoritária) terá como causa final a fuga para as escolas de tempo integral (da lógica público/privada) e principalmente para as particulares.
Ter duas tipologias de escolas públicas com incentivos, cargas horários, currículos e orçamentos diferentes enfraquece a luta pela melhoria da educação pública. Essa política é tendenciosa e reproduz uma ideologia tipicamente neoliberal a “competência pessoal”. A luta pela melhoria das condições materiais/objetivas da educação no sentido de proporcionar verdadeiramente aos alunos a oportunidade de se apropriar do conhecimento e da cultura produzidos pela humanidade dará  lugar, muito em breve, à lógica capitalista da concorrência e da meritocracia, onde os “melhores” alunos estudarão em tempo integral com uma relativa estrutura e a perspectiva de crescer no mercado de trabalho, sobretudo na empresa parceira, “amiga da educação”  e o restante dos alunos, a imensa maioria, ou migrarão para as escolas particulares ou já se sentirão fracassados por não serem suficientemente competentes para conseguir uma vaga em uma escola melhor. Os professores por sua vez, como já acontece em São Paulo onde o governo Alckmin aumenta os salários de acordo o rendimento individual de cada profissional, também serão incluídos na lógica da competição por melhores espaços no mercado, disputando entre si as melhores escolas e salários.
Os dois modelos propostos não devem, entretanto, ser vistos como ideais diversas e opostas de educação para sociedade, a escola de tempo integral é mais um passo na privatização do ensino e destruição da escola pública, gratuita e estatal. A escola em tempo integral não aparece como um novo modelo, mas como concorrente da escola atual, trazendo no seu bojo as empresas e o capital privado como mecenas e suserano ao mesmo tempo.
 Em suma, a escola no estado burguês, seja em tempo integral ou não, está como coloca Althusser a serviço do mercado e da reprodução da ideologia da classe dominante, alimentando a competitividade, e não a cooperação e promovendo um ensino cujo principal objetivo é lançar pessoas no mercado de trabalho com conhecimento meramente técnico e instrumental.

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