a burrice da classe média brasileira

A classe média está preocupada com a corrupção. Ou melhor, parte da classe média. E agora, está abandonada, pois o DEM e o PSDB não querem se meter com o PT e o PMDB. Acusar a corrupção governamental é fria. Pois, afinal, se acusam, o própria Dilma pode pegar mais um corrupto e a moral dela sobe. Aí, o resultado é triste: de um lado o Lula fica com as massas, e a Dilma começa a trazer para o governo parte da classe média. É como Vargas, que tinha sozinho o PTB e o PSD nas mãos. O PSDB e o DEM estão em pior situação que Lacerda!
Agora, o problema todo não é esse. O problema maior da democracia brasileira é a miopia da classe média. Trata-se de um setor escolarizado da sociedade que quer se revoltar contra a corrupção porque acredita que enxerga mais que os outros setores sociais. Mas isso é uma auto-imagem errada. Na verdade, ao mesmo tempo que essa classe média fica bravinha com a corrupção, ela não percebe que está vivendo melhor e que está tendo até mais tempo para se preocupar com a política e com a corrupção porque o país melhorou economicamente. E melhorou porque o apoio governamental direto e indireto aos setores populares foi significativo nos últimos anos do governo Lula. Infelizmente, toda a escolaridade da classe média não a faz enxergar mais, apenas a faz enxergar diferente.
Esse cegueira particular da classe média é visível na Internet. Dado que ela não tem mais partido, ela agora se organiza na Internet. O que não falta são grupos em redes sociais de gente altamente conservadora, até mesmo com gostinhos fascistas, alimentando discursos contra o governo. Gente que fala de corrupção, mas que não raro escorrega e dá uma de Veja e de Reinaldo de Azevedo: reinventam o comunismo! (Reinaldo, esses dias, num acesso de insanidade total, chamou o Fernando Haddad de “leninista limpinho” – leninista? Que piada é essa?).
Devemos ficar preocupados? Não creio. Devemos agradecer a existência da Internet. Pois na falta da Internet, Lacerda ia bater na porta de quartel. Claro que, hoje, ninguém da classe média que faça isso será atendido. Reclamar na Internet também é o máximo que os militares podem fazer e querem fazer. Então, a classe média fica horrorizada: todo mundo rouba, todo mundo está a favor dos negros e gays, todo mundo é comunista, todo mundo bebe pinga como o Lula e por aí vai. O ódio ao que é popular é maior do que a virtude da denúncia contra a corrupção – esta é a verdade da classe média, principalmente a de São Paulo. Ela não se conforma de Serra ter sido derrotado inclusive em São Paulo!
Todavia, essa mesma classe média poderia ser diferente. Ela poderia perceber que para além da corrupção há realmente algo sério para ser reivindicado, no qual ela poderia ter peso. Mas isso ela não faz. Ela não engrossa os movimentos sociais que defendem bandeiras que seriam tradicionalmente dos setores médios. Vejam só: ela não mais se interessa pela educação. Está com seus filhos na escola particular que se deteriora exatamente porque a escola pública se deteriora. Não percebe que só com uma escola pública boa a escola particular se mantém boa. Não percebe que só com a escola pública boa é que o mercado de produtos culturais pode crescer, e este é o berço clássico dos empregos de classe média escolarizada. Agências de propaganda, TV, teatro, editoras, empresas de turismo, indústria de cosméticos, indústria de material escolar e de computadores – só isso já é o bastante para mostrar o quanto há de dinheiro girando na parte do mercado que depende da ampliação cultural do país. A classe média não percebe isso. Ela continua moralizadora em um sentido menor, que é o do fomento antes da inveja do que da investigação. Parece aquela coisa meio da mentallidade de jornalista do Estadão, que nunca para de achar que pode vender mais um pouquinho de escândalo forjado caso publique algo contra o Lula. Dá para lembrar bem os tempos de Vargas. E do mesmo modo que no passado, será a memória de Lula que irá ficar, enquanto que os setores conservadores poderão, talvez, até sucumbir economicamente.
A miopia da classe média, ela própria, talvez já seja o reflexo do fato de que nos falta escola. Até os escolarizados ficaram burros. Ou melhor, esses escolarizados conservadores é que ficaram burros.
2011 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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