CAPITALISMO, NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO

QUAL O INTERESSE DO CAPITAL EM DESTRUIR A EDUCAÇÃO

 

AS ORIGENS DA EDUCAÇÃO BURGUESA

 

            Para entender a necessidade do capital de promover o desmanche da educação pública, deixando de considera-la como um direito natural e universal, precisamos entender as origens da educação burguesa a algumas características do liberalismo enquanto teoria econômica e seu estado de direito. Para tanto é necessário relembrar dois episódios que impulsionam o modus operantes da burguesia: a revolução gloriosa de 1688 e a revolução francesa de 1789/1799. No caso inglês, a passagem da monarquia absolutista dos Stuart à monarquia parlamentarista teve em John Locke a sua teoria e justificativa moral. Locke, autor de dois tratados sobre o governo civil, defendia que a propriedade privada era um direito natural do homem, assim como a vida e a liberdade; caberia ao estado civil garantir esses direitos naturais. A concepção de Locke sobre os direitos inalienáveis do homem viria a inspirar outros pensadores e revoluções, como a independência dos EUA em 1776.  A ideia central era que os homens nascem iguais, portando os mesmos direitos naturais se consubstanciavam em inalienáveis. Os principais direitos seriam era a propriedade privada e liberdade, entendida, sobretudo, como liberdade de mercado. O movimento iluminista na França do século seguinte reforçava a defesa da propriedade, do liberalismo como direitos naturais, universais e inalienáveis. Para Eliane Lopes[1]

“Um ano antes da revolução que se vê na França, em 1788, é um quadro de crise agrícola; da produção industrial, no setor manufatureiro de têxteis; da esfera financeira: e ainda: alta no custo de vida; desemprego; queda no poder aquisitivo no campo e na cidade, nas possibilidades de lucro; crise de subconsumo. Havia uma grande insatisfação na sociedade; os conflitos e antagonismos entre as classes e no interior delas mesmo se acirravam. Além disso, “uma nova filosofia, uma nova concepção de mundo ia se formando”. 

Esse cenário criava as condições para o grande processo revolucionário que a França viveria durante dez anos. Eis aqui o segundo grande momento da revolução burguesa e do ponto de vista do ato político mais significativo que a revolução inglesa. Para sepultar de uma vez por todas o antigo regime e desenvolver tecnologia útil na produção de mercadorias à burguesia francesa do final do século XVIII e europeia (principalmente inglesa) de todo o século XIX precisaram reformular completamente a educação, torna-la pública e acessível a um número significativo de crianças e adolescentes.

Na constituição francesa de 1789, por exemplo, a educação deveria ser comum a todos os cidadãos e gratuita, ao menos em relação ao que seria indispensável para todos. A ampliação da instrução e a reformulação de seus conteúdos eram fundamentais, pois a instrução estaria ligada ao exercício, pelos cidadãos, de direitos garantidos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a instrução, pensavam os liberais e filósofos franceses da época: impediria a existência um governo que se sustentasse pela força, mas que ao contrário, garantiria a existência de governos pautados na vontade geral e no consenso, nesse sentido,  desse modo o estado burguês nasce com grande fundamento em Rousseau, negando a luta de classes. É importante notar o uso político da educação nas origens burguesas, por um lado como legitimadora do direito a propriedade como universal e natural e ao mesmo tempo como crítica do antigo regime e de qualquer restrição aos direitos da burguesia.

              Nesse momento surgem concepções utópicas, idealistas e individualistas de que os problemas relacionados às desigualdades sociais estariam associados ao nível de instrução dos cidadãos, nas virtudes ou não de cada indivíduo, mas nunca na ordem econômica vigente, portanto a educação publica seria a maneira de dar a todos oportunidade para melhorar a sua condição social, cabendo a esses dedicação, capacidade e virtudes uteis à burguesia como trabalho duro, individualismo, meritocracia e etc.

              No período da bela época no século XIX, a Europa começa a ampliar a quantidade de escolas públicas, no caso da Inglaterra, o ensino era gratuito e obrigatório a todos até os 12 anos.  Disciplinas como química, física e matemática passam a ser ensinadas a boa parte das crianças nos países mais desenvolvidos como Inglaterra, França, Bélgica e também na recém-formada Alemanha e império Austro-Húngaro e na Bélgica. Para desenvolver a produção e criar novas formas de tecnologia era preciso tornar o conhecimento cientifico acessível a um número maior de pessoas, pois quanto mais crianças e adolescentes estudando ciências naturais e matemática, maior seria a quantidade de pessoas pensando e produzindo tecnologia, máquina, energia e riqueza para o capital, a mesma lógica se aplicaria ao estudo do direito burguês e da economia.

              O século XX marcaria o fim da Bela Época na Europa, período que fora marcado pelo desenvolvimento da tecnologia, surgimento da democracia e educação burguesa e algumas outras concessões à classe trabalhadora, o século XX seria marcado pelo imperialismo e a crise estrutural do capital.

A EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL.

              O início do século XX foi marcado pela primeira guerra mundial (1914/1918) e depois pela crise de 1929 nos EUA com consequências mundiais. A crise de superprodução em 1929 poria fim aos loucos anos 20, onde o consumismo norte americano impressionava e o capitalismo parecia ser um sistema quase perfeito, isso para os brancos de classe média, porque entre os negros e proletários a situação era bem diferente. Para tentar estancar o problema da crise por abundancia, característica própria do capitalismo, o presidente Roosevelt (1933/1945) adota o New Deal, plano econômico pensado por John Maynard Keynes, que consistia em desvalorizar o dólar através da emissão de moeda (a ideia era valorizar o preço das mercadorias, pois em uma crise superprodução os preços tendem a cair de modo que o lucro não compensa os investimentos e as empresas vão a falência), investir em obras do estado (inclusive construção de um sistema público de ensino), controlar o sistema bancário, gerar emprego na construção civil (nesse período foram construídas 166 mil pontes) e criar programas de assistência social para incentivar o consumo, uma espécie de “bolsa mendigo. Essa medida paliativa seria apenas uma das tantas outras tomadas pelo capitalismo no século XX para superar as crises cíclicas e retomar o ritmo de produção, mas o fato é que a cada crise o capital se tornava mais concentrado nas mãos de poucos e produzia em seguida uma crise ainda maior. Nos momentos de crise as empresas de médio porte dominavam as pequenas e as grandes dominavam as médias, as transnacionais dominavam as nacionais, aumentando assim a concentração de capital em pequenos grupos e gerando mais desemprego e pobreza para a maioria dos trabalhadores. No início da década de 1970 o filósofo húngaro István Mészáros afirmou que a crise não era apenas cíclica, mas estrutural, portanto fazia parte do próprio sistema do capital e era insuperável. Para Mészáros o capital não consegue mais desenvolver as forças produtivas, ou seja, a capacidade da humanidade de produzir meios e condições para a sua existência material e espiritual, pois a concentração de capital nas mãos de poucos tende a continuar enquanto a miséria ataca um número cada vez maior de pessoas e nações; segundo um estudo da organização não-governamental britânica Oxfam em 2016 a riqueza de 1% da população mundial superou a de 99%, essa é a maior concentração de renda da história da humanidade. Essa concentração significa também que vários grupos capitalistas de pequeno e médio porte quebraram, foram à bancarrota.

Para conseguir manter seus lucros em um mercado global o capitalista precisa explorar ainda os trabalhadores, o capital precisa sucatear ainda mais o trabalho. Tudo deve ser fonte de lucro, as “bolhas”[2] já não servem mais uma saída viável para a industria, não consegue estancar a crise da superprodução. Dentro da crise estrutural, mesmo havendo um aumento de mais valia total, os investimentos em capital variavel acabam diminuindo a diferença entre lucro e investimento, então para aumentar os lucros e continuar crescendo é preciso investimento em tecnologia de ponta (que é cara), explorar o trabalhador através da mais valia absoluta e relativa para tentar ser competivo, isso significa vender o produto ao menor preço, o problema é que o custo dessa produção pode sair maior que os lucros em casos, em outros é preciso aumentar cada vez os investimentos no capital variável e a diferença entre investimento e lucro se torna cada vez menor. Explorar o trabalhador, aumentando seu ritmo de produção, diminuir seus custos para o patrão, quer seja através da mais valia relativa ou pela parceria com o estado é uma das meninas tomadas pelos capitalistas para materem o crescimento de seus negócios. Os capitalistas sabiam e sabem que não há solução para a humanidade dentro do sistema do capital. Um dos seus porta vozes o economista, John Kenneth Galbraith  chegou a afirmar em 1958 “o problema da próxima geração eles que resolvam, precisamos resolver o nosso”.

              Além da intensificação da exploração do trabalho a teoria economica burguesa do século XX através dos monetaristas da escola chigago pensaram em outras formas de exploração e fonte de lucro: era preciso transformar direitos em serviços, tudo, mesmo a saúde e a educação deveriam ser tratadas como negócio, era o postulado mais básico do que se chamou de neoliberalismo. Isso tudo, na prática, implicaca a destruição de serviços públicos, antes considerados essenciais em mais fontes de lucro, o que não quer dizer que o estado seja mínimo, o estado, ao contrário, é máximo para a burguesia, com o seu aparato militar gicantesco, leis repressivas, e muito dinheiro tirado do trabalhador que vai direto para os bancos através empréstimos e financiamentos absurdos.

              Um desses serviços públicos considerados pelas proprias instituições burguesas como direito universal e inalienavel é a educação. A educação no neoliberalismo deixa de ser vista como uma obrigação do estado e um direito da humanidae e passa a ser vista como um serviço.  Todo o discurso dos primeiros pensadores liberais se resume agora ao individuo, livre, ele é o que a sua propria capacidade, esforço e talento conseguem realizar, a igualdade liberal passa a ser vista como palavrão ou no jargão mais ouvido “coisa de comunista”.

              Para aplicar as políticas draconianas de destruição da educação pública o consenso de Washington (1989) o Banco Mundial, desde o início da década de 1980, tiveram um papel de protagonistas. A operação estava em dar emprestimos a países pobres ou emergentes sob a condição de “modernizarem” o sistema de ensino através da privatização, desonerando o estado que deveria ser “responsável” no cumprimento das metas fiscais. Por trás do discurso de modernização e eficiencia do setor privado tão alardiada no Consenso de Washigton e pelos membros do Banco Mundial, está a necessidade se apropriar da riqueza produzida pelos trabalhadores transferindo para o capital financeiro, além de abrir um novo e bilionário negócio.

No caso do Brasil essa política privatizante pode ser facilmente percebida quando analisamos o crescimento do setor privado no ensino superior, veja o quadro abaixo:

Houve quem esperasse que diante da crise de 2008 e das demonstrações claras da falácia da eficiência neoliberal o banco mundial voltaria atrás e pensaria outras medidas para a educação, de modo ingênuo acreditavam que em meio a crise do capital o Banco defenderia a volta da educação como obrigação e dever do estado, ledo engano:

No relatório do BM, intitulado Novo mundo, novo Grupo Banco Mundial: (I) diretrizes pós-crise (New world, new World Banking group: (I) post crisis directions) (World Bank, 2010), que enquadra as prioridades da Estratégia 2020 para a educação, enquanto falhas de regulação e supervisão são reconhecidas como presentes no coração da crise (World Bank, 2010, p. 4), o BM, não obstante, prossegue discutindo em favor de um maior papel para si na governança global, assim como defendendo um papel expandido para o setor privado de desenvolvimento.[3]

 

            Os países emergentes do que do “terceiro mundo” tem sido alvos frequentes do Banco Mundial e de investidores internacionais mui “preocupados” com a educação, países como Nigéria com 26% dos alunos em escolas privadas, Índia com 29%, Serra Leoa com mais 60% e Libéria 50% são citados como exemplos de sucesso no processo de privatização do ensino como único veio viável para a universalização do conhecimento, aliás, do bom conhecimento: imparcial, neutro e empreendedor.

            Para os capitalistas está mais do que claro: A educação pública deve ser atacada e destruída, educação deve ser apenas fonte de lucro e nesse caso um de dupla espécie: como negócio privado, ou seja, a escola-empresa e como apropriação privada de recursos do estado que seriam destinados para as escolas públicas. 

 Outro elemento importante, sobre o qual precisamos tratar, é que na perspectiva da classe dominante, que advoga em defesa do fim da educação pública, gratuita e universal, em um momento de crise de tamanha gravidade é absolutamente necessário manter um forte controle ideológico sobre as classes populares. Uma boa escolarização, mesmo dentro dos moldes burgueses onde a escola é um Aparelho ideológico do sistema, como diria Althusser, ainda assim é possível despertar o senso crítico, a desconfiança; um repertório cultural mesmo que eurocêntrico e pensado dentro da perspectiva burguesa pode apontar as contradições do sistema. Se os filósofos burgueses e socialistas utópicos acreditavam na educação pública como um processo nodal a democracia e por isso a defendiam, os atuais pensadores liberais e empresários a veem como ameaça aos negócios. Há um medo explícito pela socialização do conhecimento científico; odeiam a ideia de criticidade, a capacidade de leitura. Todas essas inegáveis virtudes intelectuais viraram palavras perigosas, na semântica neoliberal devem ser substituídas por empreendedorismo, mercado, meritocracia, prosperidade; é preciso vigiar o que os jovens pensam e nesse caso isso exige a vigilância do papel do professor o que explica, por exemplo, o projeto ESCOLA LIVRE defendido pelo MBL e o Instituto Misses.

A maneira mais eficaz para calar professores e alunos e tornar tudo lucrativo é privatizar, essa é a palavra de ordem, o mantra que ecoa por todos os jornais e mídias burguesas. A justificativa ideológica para essa ação é que o modelo público não funciona, para comprovar isso é fácil, basta destruir a escola pública e no quesito destruir o patrimônio público nossos políticos são mestres, estes sim vândalo eficientes em deixar: prédios capengas, escolas sem professores e os que existem pessimamente remunerados, curriculum distante da realidade dos alunos, repressão; e tudo isso seria  a grande justificativa para a migração para sistema privado.

            Uma boa escola privada será sempre privilégio da elite e da classe média alta, onde a estrutura e os professores são mantidos com uma mensalidade cara, inacessível aos trabalhadores e seus filhos e filhas que vivem de salário e não de capital. A classe dominante e setores privilegiados da classe média sempre terão acesso à arte, a leitura e a matemática e o domínio desse conhecimento erudito funciona, inclusive, como um dos fatores de status e diferenciação social como aponta Pierre Bourdieu[4]. Mas diante do sucateamento e destruição das escolas públicas como ficam os filhos e filhas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade? A solução apontada pelos paladinos da privatização são as escolas privadas de baixo custo, O Global Education & Skills Forum, organizado em março na cidade de Dubai pelo GEMS, fala em escolas de mensalidades a 12 reais por aluno, isso seria possível através da parceria com vários investidores que teriam isenção fiscal ao ‘adotar um aluno”, por exemplo.

            À classe trabalhadora e seus filhos e filhas só resta uma alternativa: ocupar as escolas enquanto elas existem, resistir, defender ferrenhamente a escola pública gratuita e de qualidade, isso implica mais e melhores professores, melhor estrutura dos prédios que não devem parecer presídios ou lugares hostis. Os trabalhadores e trabalhadoras precisam defender um curriculum descentralizado e que olhe a sua realidade, que trate da realidade dos trabalhadores da cidade e do campo e traga à tona questões de gênero, precisamos, como classe trabalhadora, nos colocar em defesa da ciência proletária e contra projetos como Escola Sem Partido[5] com seus falsos discursos de ensino neutro. É preciso exigir mais e não menos, é inaceitável uma sala de aula com noventa alunos, a defesa da diminuição da quantidade de alunos por sala sempre deve estar na pauta, como a diminuição da carga horária dos professores. Dada à realidade de precarização e desmonte do ensino é necessário, enquanto trabalhadores e trabalhadoras, lutarmos também lutar pela existência do ensino humanístico com o conhecimento acumulado pela humanidade nos campos das ciências, literatura e artes e opor-se radicalmente a substituição dessas disciplinas por aulas empreendedorismo, educação moral e cívica, ou qualquer outro curso voltado para nos calar e queira nos preparar para aceitar o papel de pária no sistema de reprodução do capital. 

            Ou lutamos com todas as forças agora ou em breve não teremos escola pública alguma, apenas mais negócios da burguesia para nos explorar e nos vender ilusões e não conhecimento, a luta não para amanhã, mas para agora.  



[1] Lopes, Eliane Marta Teixeira, As origens da educação publica: a instrução na revolução burguesa do século XVIII. Belo Horizonte, Argvmentvm. 2008.

[2] Aqui a palavra se refere ao conceito do historiador norte americano Robert Brenner que mostra como a indústria retomava a produção a partir de novidades, como um vídeo cassete 4 cabeças, depois 7 cabeças, seguido do DVD, do Blue Ray e assim por diante.

[3] A estranha não morte da educação neoliberal, Robertson, L.Susan.  Universidade de Bristol.2012

[4] Bourdieu, Pierre. Os herdeiros,  os estudantes e a cultura. UFSC

[5] Já implantada em Alagoas com o nome de escola livre, apelidada de Lei da mordaça

QUAL O INTERESSE DO CAPITAL EM DESTRUIR A EDUCAÇÃO

 

AS ORIGENS DA EDUCAÇÃO BURGUESA

 

            Para entender a necessidade do capital de promover o desmanche da educação pública, deixando de considera-la como um direito natural e universal, precisamos entender as origens da educação burguesa a algumas características do liberalismo enquanto teoria econômica e seu estado de direito. Para tanto é necessário relembrar dois episódios que impulsionam o modus operantes da burguesia: a revolução gloriosa de 1688 e a revolução francesa de 1789/1799. No caso inglês, a passagem da monarquia absolutista dos Stuart à monarquia parlamentarista teve em John Locke a sua teoria e justificativa moral. Locke, autor de dois tratados sobre o governo civil, defendia que a propriedade privada era um direito natural do homem, assim como a vida e a liberdade; caberia ao estado civil garantir esses direitos naturais. A concepção de Locke sobre os direitos inalienáveis do homem viria a inspirar outros pensadores e revoluções, como a independência dos EUA em 1776.  A ideia central era que os homens nascem iguais, portando os mesmos direitos naturais se consubstanciavam em inalienáveis. Os principais direitos seriam era a propriedade privada e liberdade, entendida, sobretudo, como liberdade de mercado. O movimento iluminista na França do século seguinte reforçava a defesa da propriedade, do liberalismo como direitos naturais, universais e inalienáveis. Para Eliane Lopes[1]

“Um ano antes da revolução que se vê na França, em 1788, é um quadro de crise agrícola; da produção industrial, no setor manufatureiro de têxteis; da esfera financeira: e ainda: alta no custo de vida; desemprego; queda no poder aquisitivo no campo e na cidade, nas possibilidades de lucro; crise de subconsumo. Havia uma grande insatisfação na sociedade; os conflitos e antagonismos entre as classes e no interior delas mesmo se acirravam. Além disso, “uma nova filosofia, uma nova concepção de mundo ia se formando”. 

Esse cenário criava as condições para o grande processo revolucionário que a França viveria durante dez anos. Eis aqui o segundo grande momento da revolução burguesa e do ponto de vista do ato político mais significativo que a revolução inglesa. Para sepultar de uma vez por todas o antigo regime e desenvolver tecnologia útil na produção de mercadorias à burguesia francesa do final do século XVIII e europeia (principalmente inglesa) de todo o século XIX precisaram reformular completamente a educação, torna-la pública e acessível a um número significativo de crianças e adolescentes.

Na constituição francesa de 1789, por exemplo, a educação deveria ser comum a todos os cidadãos e gratuita, ao menos em relação ao que seria indispensável para todos. A ampliação da instrução e a reformulação de seus conteúdos eram fundamentais, pois a instrução estaria ligada ao exercício, pelos cidadãos, de direitos garantidos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a instrução, pensavam os liberais e filósofos franceses da época: impediria a existência um governo que se sustentasse pela força, mas que ao contrário, garantiria a existência de governos pautados na vontade geral e no consenso, nesse sentido,  desse modo o estado burguês nasce com grande fundamento em Rousseau, negando a luta de classes. É importante notar o uso político da educação nas origens burguesas, por um lado como legitimadora do direito a propriedade como universal e natural e ao mesmo tempo como crítica do antigo regime e de qualquer restrição aos direitos da burguesia.

              Nesse momento surgem concepções utópicas, idealistas e individualistas de que os problemas relacionados às desigualdades sociais estariam associados ao nível de instrução dos cidadãos, nas virtudes ou não de cada indivíduo, mas nunca na ordem econômica vigente, portanto a educação publica seria a maneira de dar a todos oportunidade para melhorar a sua condição social, cabendo a esses dedicação, capacidade e virtudes uteis à burguesia como trabalho duro, individualismo, meritocracia e etc.

              No período da bela época no século XIX, a Europa começa a ampliar a quantidade de escolas públicas, no caso da Inglaterra, o ensino era gratuito e obrigatório a todos até os 12 anos.  Disciplinas como química, física e matemática passam a ser ensinadas a boa parte das crianças nos países mais desenvolvidos como Inglaterra, França, Bélgica e também na recém-formada Alemanha e império Austro-Húngaro e na Bélgica. Para desenvolver a produção e criar novas formas de tecnologia era preciso tornar o conhecimento cientifico acessível a um número maior de pessoas, pois quanto mais crianças e adolescentes estudando ciências naturais e matemática, maior seria a quantidade de pessoas pensando e produzindo tecnologia, máquina, energia e riqueza para o capital, a mesma lógica se aplicaria ao estudo do direito burguês e da economia.

              O século XX marcaria o fim da Bela Época na Europa, período que fora marcado pelo desenvolvimento da tecnologia, surgimento da democracia e educação burguesa e algumas outras concessões à classe trabalhadora, o século XX seria marcado pelo imperialismo e a crise estrutural do capital.

A EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL.

              O início do século XX foi marcado pela primeira guerra mundial (1914/1918) e depois pela crise de 1929 nos EUA com consequências mundiais. A crise de superprodução em 1929 poria fim aos loucos anos 20, onde o consumismo norte americano impressionava e o capitalismo parecia ser um sistema quase perfeito, isso para os brancos de classe média, porque entre os negros e proletários a situação era bem diferente. Para tentar estancar o problema da crise por abundancia, característica própria do capitalismo, o presidente Roosevelt (1933/1945) adota o New Deal, plano econômico pensado por John Maynard Keynes, que consistia em desvalorizar o dólar através da emissão de moeda (a ideia era valorizar o preço das mercadorias, pois em uma crise superprodução os preços tendem a cair de modo que o lucro não compensa os investimentos e as empresas vão a falência), investir em obras do estado (inclusive construção de um sistema público de ensino), controlar o sistema bancário, gerar emprego na construção civil (nesse período foram construídas 166 mil pontes) e criar programas de assistência social para incentivar o consumo, uma espécie de “bolsa mendigo. Essa medida paliativa seria apenas uma das tantas outras tomadas pelo capitalismo no século XX para superar as crises cíclicas e retomar o ritmo de produção, mas o fato é que a cada crise o capital se tornava mais concentrado nas mãos de poucos e produzia em seguida uma crise ainda maior. Nos momentos de crise as empresas de médio porte dominavam as pequenas e as grandes dominavam as médias, as transnacionais dominavam as nacionais, aumentando assim a concentração de capital em pequenos grupos e gerando mais desemprego e pobreza para a maioria dos trabalhadores. No início da década de 1970 o filósofo húngaro István Mészáros afirmou que a crise não era apenas cíclica, mas estrutural, portanto fazia parte do próprio sistema do capital e era insuperável. Para Mészáros o capital não consegue mais desenvolver as forças produtivas, ou seja, a capacidade da humanidade de produzir meios e condições para a sua existência material e espiritual, pois a concentração de capital nas mãos de poucos tende a continuar enquanto a miséria ataca um número cada vez maior de pessoas e nações; segundo um estudo da organização não-governamental britânica Oxfam em 2016 a riqueza de 1% da população mundial superou a de 99%, essa é a maior concentração de renda da história da humanidade. Essa concentração significa também que vários grupos capitalistas de pequeno e médio porte quebraram, foram à bancarrota.

Para conseguir manter seus lucros em um mercado global o capitalista precisa explorar ainda os trabalhadores, o capital precisa sucatear ainda mais o trabalho. Tudo deve ser fonte de lucro, as “bolhas”[2] já não servem mais uma saída viável para a industria, não consegue estancar a crise da superprodução. Dentro da crise estrutural, mesmo havendo um aumento de mais valia total, os investimentos em capital variavel acabam diminuindo a diferença entre lucro e investimento, então para aumentar os lucros e continuar crescendo é preciso investimento em tecnologia de ponta (que é cara), explorar o trabalhador através da mais valia absoluta e relativa para tentar ser competivo, isso significa vender o produto ao menor preço, o problema é que o custo dessa produção pode sair maior que os lucros em casos, em outros é preciso aumentar cada vez os investimentos no capital variável e a diferença entre investimento e lucro se torna cada vez menor. Explorar o trabalhador, aumentando seu ritmo de produção, diminuir seus custos para o patrão, quer seja através da mais valia relativa ou pela parceria com o estado é uma das meninas tomadas pelos capitalistas para materem o crescimento de seus negócios. Os capitalistas sabiam e sabem que não há solução para a humanidade dentro do sistema do capital. Um dos seus porta vozes o economista, John Kenneth Galbraith  chegou a afirmar em 1958 “o problema da próxima geração eles que resolvam, precisamos resolver o nosso”.

              Além da intensificação da exploração do trabalho a teoria economica burguesa do século XX através dos monetaristas da escola chigago pensaram em outras formas de exploração e fonte de lucro: era preciso transformar direitos em serviços, tudo, mesmo a saúde e a educação deveriam ser tratadas como negócio, era o postulado mais básico do que se chamou de neoliberalismo. Isso tudo, na prática, implicaca a destruição de serviços públicos, antes considerados essenciais em mais fontes de lucro, o que não quer dizer que o estado seja mínimo, o estado, ao contrário, é máximo para a burguesia, com o seu aparato militar gicantesco, leis repressivas, e muito dinheiro tirado do trabalhador que vai direto para os bancos através empréstimos e financiamentos absurdos.

              Um desses serviços públicos considerados pelas proprias instituições burguesas como direito universal e inalienavel é a educação. A educação no neoliberalismo deixa de ser vista como uma obrigação do estado e um direito da humanidae e passa a ser vista como um serviço.  Todo o discurso dos primeiros pensadores liberais se resume agora ao individuo, livre, ele é o que a sua propria capacidade, esforço e talento conseguem realizar, a igualdade liberal passa a ser vista como palavrão ou no jargão mais ouvido “coisa de comunista”.

              Para aplicar as políticas draconianas de destruição da educação pública o consenso de Washington (1989) o Banco Mundial, desde o início da década de 1980, tiveram um papel de protagonistas. A operação estava em dar emprestimos a países pobres ou emergentes sob a condição de “modernizarem” o sistema de ensino através da privatização, desonerando o estado que deveria ser “responsável” no cumprimento das metas fiscais. Por trás do discurso de modernização e eficiencia do setor privado tão alardiada no Consenso de Washigton e pelos membros do Banco Mundial, está a necessidade se apropriar da riqueza produzida pelos trabalhadores transferindo para o capital financeiro, além de abrir um novo e bilionário negócio.

No caso do Brasil essa política privatizante pode ser facilmente percebida quando analisamos o crescimento do setor privado no ensino superior, veja o quadro abaixo:




Houve quem esperasse que diante da crise de 2008 e das demonstrações claras da falácia da eficiência neoliberal o banco mundial voltaria atrás e pensaria outras medidas para a educação, de modo ingênuo acreditavam que em meio a crise do capital o Banco defenderia a volta da educação como obrigação e dever do estado, ledo engano:

No relatório do BM, intitulado Novo mundo, novo Grupo Banco Mundial: (I) diretrizes pós-crise (New world, new World Banking group: (I) post crisis directions) (World Bank, 2010), que enquadra as prioridades da Estratégia 2020 para a educação, enquanto falhas de regulação e supervisão são reconhecidas como presentes no coração da crise (World Bank, 2010, p. 4), o BM, não obstante, prossegue discutindo em favor de um maior papel para si na governança global, assim como defendendo um papel expandido para o setor privado de desenvolvimento.[3]

 

            Os países emergentes do que do “terceiro mundo” tem sido alvos frequentes do Banco Mundial e de investidores internacionais mui “preocupados” com a educação, países como Nigéria com 26% dos alunos em escolas privadas, Índia com 29%, Serra Leoa com mais 60% e Libéria 50% são citados como exemplos de sucesso no processo de privatização do ensino como único veio viável para a universalização do conhecimento, aliás, do bom conhecimento: imparcial, neutro e empreendedor.

            Para os capitalistas está mais do que claro: A educação pública deve ser atacada e destruída, educação deve ser apenas fonte de lucro e nesse caso um de dupla espécie: como negócio privado, ou seja, a escola-empresa e como apropriação privada de recursos do estado que seriam destinados para as escolas públicas. 

 Outro elemento importante, sobre o qual precisamos tratar, é que na perspectiva da classe dominante, que advoga em defesa do fim da educação pública, gratuita e universal, em um momento de crise de tamanha gravidade é absolutamente necessário manter um forte controle ideológico sobre as classes populares. Uma boa escolarização, mesmo dentro dos moldes burgueses onde a escola é um Aparelho ideológico do sistema, como diria Althusser, ainda assim é possível despertar o senso crítico, a desconfiança; um repertório cultural mesmo que eurocêntrico e pensado dentro da perspectiva burguesa pode apontar as contradições do sistema. Se os filósofos burgueses e socialistas utópicos acreditavam na educação pública como um processo nodal a democracia e por isso a defendiam, os atuais pensadores liberais e empresários a veem como ameaça aos negócios. Há um medo explícito pela socialização do conhecimento científico; odeiam a ideia de criticidade, a capacidade de leitura. Todas essas inegáveis virtudes intelectuais viraram palavras perigosas, na semântica neoliberal devem ser substituídas por empreendedorismo, mercado, meritocracia, prosperidade; é preciso vigiar o que os jovens pensam e nesse caso isso exige a vigilância do papel do professor o que explica, por exemplo, o projeto ESCOLA LIVRE defendido pelo MBL e o Instituto Misses.

A maneira mais eficaz para calar professores e alunos e tornar tudo lucrativo é privatizar, essa é a palavra de ordem, o mantra que ecoa por todos os jornais e mídias burguesas. A justificativa ideológica para essa ação é que o modelo público não funciona, para comprovar isso é fácil, basta destruir a escola pública e no quesito destruir o patrimônio público nossos políticos são mestres, estes sim vândalo eficientes em deixar: prédios capengas, escolas sem professores e os que existem pessimamente remunerados, curriculum distante da realidade dos alunos, repressão; e tudo isso seria  a grande justificativa para a migração para sistema privado.

            Uma boa escola privada será sempre privilégio da elite e da classe média alta, onde a estrutura e os professores são mantidos com uma mensalidade cara, inacessível aos trabalhadores e seus filhos e filhas que vivem de salário e não de capital. A classe dominante e setores privilegiados da classe média sempre terão acesso à arte, a leitura e a matemática e o domínio desse conhecimento erudito funciona, inclusive, como um dos fatores de status e diferenciação social como aponta Pierre Bourdieu[4]. Mas diante do sucateamento e destruição das escolas públicas como ficam os filhos e filhas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade? A solução apontada pelos paladinos da privatização são as escolas privadas de baixo custo, O Global Education & Skills Forum, organizado em março na cidade de Dubai pelo GEMS, fala em escolas de mensalidades a 12 reais por aluno, isso seria possível através da parceria com vários investidores que teriam isenção fiscal ao ‘adotar um aluno”, por exemplo.

            À classe trabalhadora e seus filhos e filhas só resta uma alternativa: ocupar as escolas enquanto elas existem, resistir, defender ferrenhamente a escola pública gratuita e de qualidade, isso implica mais e melhores professores, melhor estrutura dos prédios que não devem parecer presídios ou lugares hostis. Os trabalhadores e trabalhadoras precisam defender um curriculum descentralizado e que olhe a sua realidade, que trate da realidade dos trabalhadores da cidade e do campo e traga à tona questões de gênero, precisamos, como classe trabalhadora, nos colocar em defesa da ciência proletária e contra projetos como Escola Sem Partido[5] com seus falsos discursos de ensino neutro. É preciso exigir mais e não menos, é inaceitável uma sala de aula com noventa alunos, a defesa da diminuição da quantidade de alunos por sala sempre deve estar na pauta, como a diminuição da carga horária dos professores. Dada à realidade de precarização e desmonte do ensino é necessário, enquanto trabalhadores e trabalhadoras, lutarmos também lutar pela existência do ensino humanístico com o conhecimento acumulado pela humanidade nos campos das ciências, literatura e artes e opor-se radicalmente a substituição dessas disciplinas por aulas empreendedorismo, educação moral e cívica, ou qualquer outro curso voltado para nos calar e queira nos preparar para aceitar o papel de pária no sistema de reprodução do capital. 

            Ou lutamos com todas as forças agora ou em breve não teremos escola pública alguma, apenas mais negócios da burguesia para nos explorar e nos vender ilusões e não conhecimento, a luta não para amanhã, mas para agora.  



[1] Lopes, Eliane Marta Teixeira, As origens da educação publica: a instrução na revolução burguesa do século XVIII. Belo Horizonte, Argvmentvm. 2008.

[2] Aqui a palavra se refere ao conceito do historiador norte americano Robert Brenner que mostra como a indústria retomava a produção a partir de novidades, como um vídeo cassete 4 cabeças, depois 7 cabeças, seguido do DVD, do Blue Ray e assim por diante.

[3] A estranha não morte da educação neoliberal, Robertson, L.Susan.  Universidade de Bristol.2012

[4] Bourdieu, Pierre. Os herdeiros,  os estudantes e a cultura. UFSC

[5] Já implantada em Alagoas com o nome de escola livre, apelidada de Lei da mordaça


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