50 ano da ditadura militar no Brasil




No dia 31 de março desse ano, a ditadura militar brasileira terá completado cinquenta anos, essa data deve marcar uma série de reflexões e de debates no país. Essas reflexões, que já a algum tempo acontecem na historiografia e na filosofia, têm ficado restritas a um discurso sobre o uso da tortura, os direitos humanos ou os abusos de poder por parte dos militares e o apoio ou não da classe média. Essas reflexões são muito relevantes, mas precisamos refletir, no entanto, também pensar sobre o caráter capitalista-imperialista que levou à ditadura brasileira e as outras ditaduras na América do Sul. 
É preciso, para uma análise mais precisa colocar o golpe militar brasileiro no contexto histórico de meados do século XX, onde a bipolarização do mundo entre capitalismo e regime “socialista” do leste europeu disputavam áreas de influências e algumas revoluções aconteciam ou pareciam estar por vir. A América Latina que desde a Doutrina Monroe (a América para os americanos) estava sob o controle da águia americana viveu entre as décadas na segunda metade do século XX várias ditaduras. Isso é mais uma evidencia que o golpe militar no Brasil  não foi uma decisão isolada de militares autoritários e com sede de sangue, foi antes uma decisão orquestrada por interesses de setores da burguesia nacional e internacional, com apoio dos EUA com participação direta do coronel americano Vernon Walters e a total aprovação da USAID (Agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento internacional).
Em um contexto de guerra fria e com o recente sucesso da revolução cubana, toda e qualquer medida de caráter nacionalista ou que se opusesse minimamente à lógico do capitalismo de mercado se tornavam uma ameaça aos planos do capitalismo internacional. As reformas de base, propostas pelo populista João Goulart estavam entre essas “ameaças”. Jango não era um socialista, jamais propôs uma revolução popular, suas propostas de reforma bancária e tributária, embora não fossem radicais, eram contrárias aos interesses de um capitalismo que não poderia mais garantir nenhum bem estar social, que deveria ser voltado exclusivamente para a eficiência do mercado.
João Goulart jamais falou em construir um país socialista, nem tentou dar golpes, suas propostas de reforma não eram anticonstitucionais e contavam com apoio de alguns setores da sociedade, sobretudo de estudantes, o Brasil vivia um clima democrático, e essas reformas eram amplamente debatidas nas ruas, a reforma agrária não representaria uma ameaça ao agronegócio, nenhuma das reforma mexeriam no “sagrado direito” a propriedade privada dos meios de produção. Essas reformas, se não eram um passo para o socialismo, também estavam longe de coadunar com os interesses do capitalismo imperialista, do ponto de vista do capital internacional, o estado aos moldes varguistas baseado no trabalhismo e em políticas nacionalistas representavam um entrave às possibilidades de expansão de lucro.  
Esse certamente não foi o argumento utilizado pelos militares e pelas elites para justificar o golpe. A moral burguesa-cristã jamais aceitaria reconhecer que mudava as regras do jogo porque com o fascismo produziria mais lucro e continuaria a impedir os mais pobres de estudar e de ter acesso à terra. Como sempre, foi utilizada uma retórica maniqueísta e moralista “a ameaça dos terríveis comunista”, dessa forma uma reforma agrária que distribuiria terras sem dono e improdutivas se tornou no discurso burguês na violenta “vão tomar o seu pedaço de terra conseguida com mérito” Com apoio dos seguimentos ultra conservadores da sociedade, a marcha com Deus pela família e a liberdade reunia mais de 500 mil pessoas. O golpe do dia 31 de março estava montado, contou com o apoio de vários governadores, empresários e órgãos internacionais.
Os interesses econômicos logo ficaram evidentes no novo papel das estatais com os governos militares. A vida se tornou mais cara para todos, e isso não se devia apenas a dívida externa contraída por JK (argumento sempre utilizado como bode expiatório), mas porque as estatais agora precisavam dar lucros, serviços ligados ao petróleo e a energia tiveram um aumento bastantes substancial. Durante todo o regime militar os salários dos servidores públicos cresceram menos do que a inflação, o que acarretou um empobrecimento desses servidores, a suposta forma de combater a inflação pensada pelos ministros da fazenda Otávio Gouveia de Bulhões e do planejamento Roberto Campos durante o governo de Castelo Branco, se tornavam uma força bastante eficiente de sucatear a saúde, a educação e outros serviços.
O regime que se autodenominava de revolução democrática e prometia eleições em 1965, deu mais um golpe e em 1967 mostrava o seu lado mais violento com a chegada da linha dura ao poder. O general Artur da Costa e Silva não pouparia esforços no combate aos comunistas, os guerrilheiros, a todo e qualquer pensamento de esquerda.
Enquanto parte de classe média brasileira era seduzida pelo chamado milagre econômico, resultado de uma verdadeira injeção de capital estrangeiro, com a chegada de algumas empresas multinacionais que aqui se estabeleciam se aproveitando dos baixos salários e na inexistência de sindicatos livres, a esquerda procurava meios de combater um dos períodos mais violentos da nossa história. Na legitimidade era impossível fazer o combate, pois com o bipartidarismo haviam apenas o partido dos militares ARENA e a oposição consentida MDB. Os partidos comunistas foram decretados ilegais. Ainda influência das revoluções cubana e chinesa, a estratégia da luta armada se tornava mais que uma alternativa possível.
A guerra de guerrilha de Che Guevara, parecia aos militantes do PC do B (dissidência do PCB) uma via plausível.
A luta armado seguiu em duas frentes, no interior com a batalha do Araguaia e na guerrilha urbana. A ideia do Araguaia como ponto estratégico foi um erro, a distância das massas e a falta de comunicação com a sociedade deixou isolados os revolucionários que foram facilmente vencidos pelas forças do exército. A guerrilha urbana de Carlos Marighela foi mais incômoda à ditadura e mais difícil de ser vencida, não havia um plano perfeito por parte dos militares, não poderiam usar tangues de guerra nas ruas, precisaram usar a inteligência para capturar e matar as lideranças comunistas. Marighela foi morto, os guerrilheiros do Araguaia torturados, presos, mortos, a ditadura sanguinária usou do extremo da violência, essa prática marcaria até hoje a nossa polícia. O discurso ideológico da mídia que precisava transformar comunista em terrorista, revolucionário em bandido, e ditador em “homem de bem” também encontra seus ecos nos programas policiais de fim da tarde atualmente.
A violência dos militares se tornou tão incontrolável e sádica que atingiu os conservadores da classe média. Com o fim do “milagre” econômico e a ausência de liberdade individual e política se tornando cada vez mais evidentes, a ditadura mostrava a sua cara fascista. O caminho para a redemocratização partiu de estudantes e trabalhadores do campo e da cidade país afora.  A abertura “lenta e gradual” de Geisel era o embuste dos milicos para manter o regime.
No percurso para a democratização e com a derrota da luta armada, as organizações de esquerda começaram a priorizar a luta pela abertura política, e adiando o discurso do socialismo e das transformações sociais. A revolução deixava seu caráter social e se restringia à esfera política. Com o intuito de fortalecer o combate a ditadura e defender a democracia, construiu-se uma luta conjunta e ampla pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira (MDB) que estabelecia eleições diretas para presidente em 1985. A campanha “diretas já” que começa vinte ano após o golpe, envolvia artistas, políticos de várias colorações e tendências, intelectuais e até setores progressistas da igreja católica.
A emenda Dante de Oliveira não foi aprovada, mesmo assim em 1985 com a eleição de Tancredo Neves, o primeiro civil a ser presidente desde o golpe, o regime militar tinha fim. Com a democratização houve ganhos sim parte dos trabalhadores, lutar na democracia burguesa é sempre melhor que em um regime fascista.
Não podemos ser anacrônicos e querer agora julgar e mostrar o dedo na cara daqueles que lutaram, morreram e foram torturados pelos milicos. Precisamos, contudo, aprender com a história. Os principais erros da esquerda nesse período estão centrados em uma leitura romântica e parcial da realidade. A vontade de fazer a revolução não significa que temos base política para isso, não basta pegar em armas para ter o apoio das massas; a vanguarda precisa estar próxima das massas e não em um mundo à parte.
Devemos defender sempre a democracia no sentido mais pleno do termo, a democracia e o socialismo são sinônimos, pois somente com o socialismo o trabalhador decide sobre seu trabalho, somente no socialismo há liberdade; a substituição, no Brasil, da ditadura pela democracia burguesa deixou muito claro como o capitalismo convivi bem os dois regimes, e pode sempre recorrer ao fascismo quando precisar, um exemplo disso é o DEM (democratas), o partido que já foi chamado de PFL, era a antiga ARENA, partido da ditadura. A democracia burguesa elegeu torturadores como Sergio Paranhos Fleury, permitiu que Collor, que sempre foi a favor da ditadura, como primeiro presidente. O que precisamos aprender com a luta pela democracia no Brasil, é que isso é possível apenas no socialismo. No capitalismo apenas o mercado é livre.

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