O que é neoliberalismo?
Neoliberalismo é a tentativa de preservar
princípios econômicos do liberalismo clássico de Adam Smith, somando aos
princípios econômicos uma radicalização de questões políticas e filosóficas. Comparando, por exemplo, Mises e Locke, Hayek e
Stuart Mill, há diferenças fundamentais na ideia de estado, de direito natural
e de sociedade. O neoliberalismo, apesar de apresentar um discurso de
eficiência dos conhecimentos estritamente técnicos de economia, se constitui em
uma posição política, filosófica e ideologia da economia política. Essa posição
é abertamente em defesa do livre mercado, entende que absolutamente tudo pode e
deve ser regulado pelo mercado, inclusive a saúde, educação, segurança, o
direito a vida e a morte.
Os neoliberais, não defendem o fim do estado,
mas o fim da regulamentação de qualquer atividade financeira e empresarial, visto
por esses pensadores e economistas como uma violência contra o direito natural
da propriedade[1]. Tanto na literatura
econômica, quanto na prática aplicada por governos de orientação neoliberal, se
observam alguns consensos: direitos trabalhistas atrapalham o desempenho da
economia, e, ao fim e ao cabo geram desemprego; empresários precisam ser
desonerados, é preciso haver uma redução brusca na carga tributária, serviços
privados são muito mais eficientes que públicos, por isso a privatização da
saúde, educação, transportes coletivos seria solução; da mesma forma o
empresariado sem tantos impostos poderia contratar mais, o salário do
trabalhador iria depender da sua competência, formação, dedicação ou outras
qualidades que o mercado exige. Aqui caberiam algumas perguntas: e quem não
poder pagar por serviços como saúde, educação, transporte, segurança e outros
serviços? Os empresários iriam contratar mais, pagar melhores se forem menos
tributados, eles fazem isso onde os impostos são menores? Os trabalhadores
vivem melhor, em países que diminuem brutalmente os gastos do estado com
serviços essenciais, e o mercado se autorregula? A resposta a todas essas perguntas é NÃO. E a
explicação é bastante simples. Toda a política econômica pensada pelos
neoliberais (autonomia de banco central, câmbio livre, fim do lastro ouro,
austeridade fiscal, desregulamentação trabalhista, financeirização do capital,
até mesmo do produtivo), tem um o objetivo único de aumentar a margem de lucro.
O capitalista não tem motivo algum para dividir esse crescimento do lucro,
produzido pela ampliação de mais-valor, com quem ele acabou extrair o
mais-valor: a classe trabalhadora.
E os
países onde o neoliberalismo dá certo?
É preciso que tenhamos clareza, que
neoliberalismo é uma política econômica, no campo político há disputas, os
trabalhadores, partidos, sindicatos, organizações da sociedade civil estão
sempre estabelecendo correlação de forças. Por isso, é possível afirmar que
mesmo nos EUA, onde o neoliberalismo tem um estágio mais avançado, nem todos os
princípios e políticas neoliberais foram aplicados na sua totalidade. As
políticas neoliberais, começaram a ser aplicadas na década de 1970, com
Pinochet, R. Reagan e M. Thatcher. O ditador chileno, o americano simpatizante
dos nazistas e apoiador do apartheid e a donzela de ferro, tem em comum a
profunda rejeição popular e um legado desastroso para os trabalhadores. O
crescimento econômico, a leve recuperação após a crise do petróleo, não
significou melhora de vida dos trabalhadores, muito pelo contrário, o Chile
criou o mais injusto e letal sistema de previdência do mundo, responsável pelo
suicídio de 18 a cada mil pessoas com 80 anos. A privatização do sistema de
ensino e o ataque aos direitos trabalhistas, no país sul americano, motivam
gigantescos protestos até hoje no Chile.
Alguém poderia alegar que o malogro do
neoliberalismo chileno se deve a sua condição de economia dependente. Então
analisemos a experiência de uma potência inconteste, a Inglaterra, o primeiro
país a implantar o neoliberalismo. O historiador Perry Anderson considerou os
governos de Thatcher como os mais fiéis às ideias neoliberais, suas medidas as
mais ousadas e planejadas, pois durante esse período, as políticas neoliberais inglesas:
“ contraíram emissão monetária, elevaram as
taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos,
aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego
massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e
cortaram gastos sociais” ( ) “se
lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública e
passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o
petróleo, o gás e a água”.
Apesar disso, todo arrocho salarial, e as
reformas liberalizantes feitas por Thatcher não surtiram grandes efeitos, o
crescimento médio foi de 2,4% ao ano, mesmo índice dos tempos de crise dos
primeiros anos da década de 1970, muito inferior aos anos 1960, a renda dos
mais podres ficou estagnada, havendo perda de poder real de consumo, já os 20%
mais ricos, passaram a ganhar 48% a mais, Thatcher atacou as organizações
trabalhistas, isso se refletiu numa queda da sindicalização dos trabalhadores
de 65% para 53%.
Nos EUA, o governo de Reagan (1981-1989),
reduziu os impostos em favor dos ricos, elevou as taxas de juros, reprimiu
greves, tudo de acordo com os mandamentos do neoliberalismo, entretanto gastou
bilhões no complexo industrial militar, na sua cruzada contra a URSS. Os gastos
militares criaram um déficit público, até então precedentes, levaram os EUA a
condição de maior dívida do mundo. O neoliberalismo, que de teoria econômica se
tornou uma doutrina religiosa e moral, nos EUA, mesmo com toda sua alteridade
fiscal e com tantas injeções de liquidez, deixaram como legado uma dívida
externa que alcançou esse ano 22 trilhões de dólares (a maior do mundo). A
dívida é construída para garantir os lucros dos bancos e manter o complexo
militar, nodal ao imperialismo. Para os trabalhadores estadunidenses, a
qualidade de vida só tem piorado, sem um sistema de saúde pública universal, é
preciso pagar por pagar planos privados, boa parte dos trabalhadores não tem
condições e fica sem acesso a tratamento médico. A ostentação que assistimos
nos filmes, séries e no show buzines, é a uma exclusividade da elite branca
norte-americana. A realidade da classe trabalhadora está bem mais do Coringa
(2019); uma pesquisa divulgada no Brasil pela revista de economia exame, mostra
que 43% dos americanos são pobres e sequer conseguem pagar as próprias contas,
em 2014, só na cidade de Detroit foram mais de 100 mil cortes de água. O país
mais rico do mundo, apresenta, contraditoriamente, recordes de mendigos, são
mais de 550 mil. A cidade de Nova York, cartão postal do país, tem investido 89
milhões de dólares, para exportar mendigos para outras regiões do país, na
tentativa do prefeito Bill de Blásio, de esconder a pobreza.
É verdade que há outros países que aplicaram no
neoliberalismo, na década de 1980, no norte da Europa apenas a Áustria
(curiosamente o berço teórico do neoliberalismo) e a Suécia, não aderiram à moda,
mesmo a Dinamarca no governo de Schluter (1983) abraçava o receituário da
escola austríaca. O neoliberalismo dos países do norte da Europa, foram
encampados por uma direita católica, a retórica cristã tinha mais facilidade em
penetrar em temas como ajustes fiscais e reformas orçamentárias, do que em
ataques a sindicatos e direitos a serviços básicos, isso distingue a
experiência do norte da Europa, dos países saxônicos e do Chile, tendo em que
vista que por uma série de questões morais, culturais, religiosas e sociais, no
norte da Europa, não foi possível avançar de modo tão agudo e rápido na destruição
das formas de organização da classe trabalhadora.
Em nenhuma dessas experiencias, mesmo com o
fator imperialismo (que merece uma explicação muito maior do que caberia aqui),
o receituário neoliberal apresentou taxas e crescimento e de desenvolvimento
humano satisfatórias. Em todos os países, com taxas de desemprego baixas,
classe trabalhadora com poder de compra razoável, bons índices de escolaridade
e tudo que se possa considerar como importantes para a qualidade de vida, há
impostos sobre lucros e dividendos, taxação sobre heranças e grandes fortunas.
E, não podemos esquecer, essa condição não é produto da civilidade europeia e
canadense, mas do imperialismo e um sistema de transferência de riqueza. Um
exemplo bastante objetivo: um trabalhador de Bruxelas, em uma fábrica dos
melhores chocolates do mundo, pode ter um salário digno, porque o cacau é
plantado e colhido em Gana, em condições análogas a escravidão, o colonialismo
e as ditaduras nas periferias do sistema capitalista, permitem que em regiões
centrais as condições de existência sejam mais dignas.
Só o setor privado é eficiente, as estatais são
velhas e atrasadas, mas e a China...?
A China, é a segunda maior potência mundial, o
país tem mais de 51 mil estatais. Entre as dez maiores e lucrativas empresas do
mundo, 6 são estatais. Os EUA, que não podem ser acusados de comunistas, tem
mais de 10 mil estatais e um estado gigante. O que determina se uma empresa é
lucrativa e eficiente não é o fato de ser administrada pela iniciativa privada
ou pelo estado, mas a exploração, fiscalização e controle do capital sob o
trabalho. A China se consolidou como a fábrica do mundo, com mais de 700
milhões de operários e um estado autoritário, capaz de uma repressão coletiva
bastante sofisticada e atrativa para o capital internacional.
É importante não romantizar o estado, como fez,
parte da esquerda durante o século XX, acreditando que socialismo era igual a
economia planificada. Mesmo nas experiencias pós capitalistas, da URSS e da
China, ficou evidente como o estado também extrai mais-valor, e como o capital
pode se metamorfosear. O estado é indeclinável à burguesia e ao neoliberalismo,
é o seu comitê central e braço armado, não há taylorismo sem o auxilio do
estado.
A burguesia nunca pretendeu acabar com o
estado, se assim o quisesse, já teria realizado. O estado e a burguesia são
irmãos siameses, possuem uma relação de total dependência. É o estado que
socorre a burguesia nos períodos de crise cíclica. Em 1933, o governo Roosevelt
inflacionou de propósito a economia, através de emissão monetária, a super
injeção de crédito tinha o objetivo de encarecer as mercadorias, extremamente
desvalorizadas em função da crise, que havia produzido deflação. No velho
continente, o fascismo era uma forma do estado controlar o trabalho de cima a
baixo. As guerras colonialistas, a segunda guerra mundial, seriam responsáveis
pelas condições que levaram o capitalismo aos anos dourados na década de 1950.
Com o sistema capitalista entrando numa crise estrutural
na década de 1970, o neoliberalismo de Hayek saiu da marginalidade e passou a
ganhar terreno. As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros,
estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira
mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação
capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua
pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos
sociais. A fórmula do crescimento neoliberal, ampliando ao máximo possível as
possibilidades de mais-valor, nas suas formas absoluta e relativa, se mostrou
um voo de galinha, no fim dos anos 80, o capital não havia recuperado os mesmos
índices de crescimento, não era apenas o muro de Berlim que caía, era também, a
ilusão da eficiência da mão invisível.
Por que
neoliberais ainda são eleitos?
O capitalismo entrou em uma crise estrutural,
possivelmente antes mesmo da década de 70, isso significa que o sistema não possui
mais condições objetivas de desenvolver
as forças produtivas como antes, as crises cíclicas, tem a ser mais
frequentes e maiores, para manter as taxas de lucro, a extração de mais-valor
precisa beirar a escravidão; para países imperialistas, sempre pode haver uma
transferência de riqueza através da exploração de mão de obra barata nas
economias periféricas.
Nessa conjuntura, governos neoliberais aparecem
como a alternativa viável ao capitalistas, porém, as política implantadas por
esses governos (e isso faz parte das crises cíclicas do capital), tem efeito
curto, a médio prazo causam deflação e recessão, nessas circunstâncias, é
frequente que nos pleitos do teatro da burguesia, ocorram vitórias de setores
ditos progressistas: Miterrand e Holande, na França; González, na Espanha; Soares
e Antônio Costa em Portugal; Craxi, na Itália; Papandreou e Aléxis Tsípras, na
Grécia, Obama nos EUA e etc.
Na América do Sul, e periferias do sistema, as
lutas sociais e a condição de capitalismo dependente, produziu movimentos
contra a globalização o neoliberalismo na última década. Na Venezuela, Bolívia,
Uruguai, Argentina, Chile, Equador e Brasil o pêndulo político foi para a
esquerda. Esses movimentos, em geral, dentro dos limites da democracia
burguesia, numa tentativa de aliança com uma burguesia nacional, caiu no
populismo, se resumindo a uma disputa pelo escrutínio; em que pesem alguns
avanços inegáveis em áreas socias, foram seduzidos pela tentação de Mefistófeles,
acreditaram poder gerir o capital, viveram com a burguesia uma relação abusiva,
sem nenhuma reciprocidade, chegando ao ridículo de propor um programa nacional
desenvolvimentista para a burguesia, que ela mesma rejeita.
E se as eleições não mudam nada, o que é possível fazer?
A real oposição que existe é
entre capital e trabalho, não entre esquerda e direita. A esquerda eleitoreira
pretende gerir o capital, dentro das regras da burguesia. É preciso entender
que organização e ação política não é sinônimo de eleição, é preciso uma revolução
política com alma social, como aponta o Marx nas suas glosas críticas. A nossa
organização e força política deve ser direcionada no sentido da construção do
socialismo, isso implica a tomada dos meios de produção, pois os trabalhadores
não precisam de patrões, o trabalho pode viver sem o capital, mas o capital não
pode existir sem o trabalho. É preciso construir conselhos de fábricas,
comunas, organizações e coletivos de trabalhadores no campo e na cidade, esses
movimentos, no atual momento histórico não podem ficar reduzidos a luta
defensivista, pela preservação do velho, é preciso construir um movimento da
ofensiva socialista, pois os trabalhadores, mais do que nunca, só tem a perder
os seus próprios grilhões.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Augusto, André Guimarães. O
neoliberalismo religioso e aristocrático de Von Mises.
Anderson, Perry.
Avanço do neoliberalismo. (In SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.)
Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 9-23.)
Carta Capital.
El país.
Galindo Luciano. jornal La Repubblica,
27-07-2015.
Rocha, Camila. Think
Tanks ultraliberais e a nova direita brasileira. Disponível em https://diplomatique.org.br/think-tanks-ultraliberais-e-nova-direita-brasileira/
Rothbar, Murray N. Por
uma nova liberdade. Um manifesto libertário.1º edição. Mises Brasil 2013.
_______________ a ética da liberdade.
Disponível em https://rothbardbrasil.com/a-etica-da-liberdade/
Hermann, Hans.
democracia, o Deus que falhou, disponível em https://rothbardbrasil.com/democracia-o-deus-que-falhou-2/
Francisco Louçã e Ricardo Cabral. Tão
liberal e tão amigo de Salazar.
Marx e
Engels. Glosas críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a Reforma
social” de Um prussiano. Trad. Ivo Tonet, Revista Praxis, n. 5, Belo Horizonte:
Projeto Joaquim de Oliveira, 1995.
_______________O Capital. Vol. 2. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural,
1988.
Mészáros,
István. Para Além do capital. Ruma a uma teoria da transição. Trad. Sergio Lessa e
Paulo Cezar Castanheira. São Paulo, Boitempo, 2006.
[1]
Rothbar,
Murray N a ética da liberdade. Disponível em https://rothbardbrasil.com/a-etica-da-liberdade/
Comentários
Postar um comentário