DITADURAS NA AMÉRICA LATINA





 RAPINAGEM NORTE AMERICANA
O escritor uruguaio Eduardo Galeano chamou de rapinagem o que os europeus fizeram com as riquezas da América latina durante o período colonial, onde todos os recursos naturais e todos os seres humanos da América deveriam se converter em negócio das nações de Castela e Aragão. Cada centímetro de terra, minério, arvore, fauna, flora, força de trabalho deveriam se moldar nos interesses do capital estrangeiro. Para manter esse controle, espanhóis e portugueses, promoveram no continente americano um modelo econômico de dependência fundado em grandes oligarquias agrárias, escravistas e exportadoras (plantation).
Para Galeano a divisão mundial do trabalho fez com que alguns países se especializassem em ganhar e outros a perder. A América Latina servia como motor da economia hispano-lusitana; da prata de Potosi ao ouro das Minas Gerais, da cana de açúcar, plantações de coca, tabaco, milho ou algodão tudo significava lucro para os europeus. A exploração de portugueses e espanhóis, no entanto, não resultou no desenvolvimento de um capitalismo industrial nesses países, a verdade é que a riqueza extraída das colônias acabava escoando para os países onde a produção manufatureira estava mais desenvolvida e as formas de cooperação[1] capitalistas garantiam acumulação de capital. Assim, A Inglaterra, Bélgica e a França acabaram lucrando com o empreendimento colonial mais do que os próprios colonizadores.
A conquista da liberdade política e a criação de regimes republicanos no final do século XIX, pouco alteraram a condições econômica e social dos países latino americanos. No fim do século XIX, a influencia inglesa e francesa se tornou enorme sobre Portugal e Espanha e consequentemente sobre os objetivos e metas da economia das colônias. Os banqueiros ingleses, mesmo depois da independência da maioria dos países da América Latina, tinham influência política enorme sobre os governos latino americanos e suas economias. Um exemplo é o grupo Rothschild and sons, banco inglês, cujos volumosos empréstimos aos empresários do agronegócio latino americano compravam os governos republicanos do Cone Sul.
Essa situação de controle da Inglaterra sobre a economia e a política dos países da América Latina iria mudar apenas no início do século XX sob a máxima da doutrina Monroe “A América para os americanos”, quando os EUA tomam o papel que antes fora da própria Inglaterra, dos banqueiros de Flandres e das monarquias ibéricas. No começo do século XX, a construção do canal do Panamá (1904), a interferência em Cuba através da Emenda Platt (1902) e o envolvimento direto em vários momentos na revolução mexicana (1911) demonstravam o caráter imperialista dos EUA na América Latina.
Durante todo o século XX, os EUA estiveram envolvidos com as ditaduras na América Latina. O ódio anticomunista presente no discurso do presidente Harry Truman ou do senador Joseph Maccarthy acusando os soviéticos de ditadores, todo o maniqueísmo macarthista que opunha um ocidente paladino da democracia contra comunistas repressores não passava de sofisma barato para justificar as próprias políticas autoritárias e a repressão a qualquer movimento contrário a exploração capitalista.
Os EUA foram durante todo século XX aliados e promotores de terríveis ditaduras na América Latina, financiaram todos os governos que garantiam seus interesses econômicos com o preço da miséria, da fome e da morte de milhões de seres humanos.
A história que nos é contada pelos filmes americanos e pela historiografia burguesa é uma narrativa épica da luta do bem contra o mal, dos liberais e democráticos contra a ditadura do leste europeu e da China. Não queremos aqui, de maneira alguma, defender o stalinismo e nem o maoísmo, ou qualquer regime autoritário, mas mostrar a farsa dessa oposição entre Ocidente e Oriente durante a guerra fria que servia apenas para justificar o aumento da produção armamentista e ampliar o imperialismo, especialmente o americano como afirma o filósofo e linguista norte americano Noam Chomsky.
OS EUA E AS DITADURAS NA AMÉRICA: APOIO ÀS VELHAS OLIGARQUIAS
Os EUA, ao implantar em 1902, uma cláusula na constituição de Cuba chamada de Emenda Platt, passava a ter direito de intervir militarmente, politicamente e economicamente no país. Entre outras coisas, os EUA passavam a controlar Guantánamo de forma perpétua, essa região serviu como campo de concentração onde os americanos levaram descendentes de japoneses durante a segunda guerra mundial. Os EUA, “terra da liberdade”, apoiaram Fulgêncio Batista, ditador que governou Cuba entre 1933 e 1958. O tirano cubano mantinha ótimas relações com a máfia americana que fazia de Havana um enorme cassino. Batista entregou todas as riquezas do país a empresas privadas norte americanas. Diferentemente da época de Fidel Castro, em momento algum da ditadura de Fulgêncio Batista foi feito embargo, restrição ou críticas ao despotismo do presidente, nenhum presidente americano pensou em garantir a democracia na ilha enquanto os ditadores cubanos eram seus cúmplices e capachos.
Na Nicarágua, os EUA sempre apoiaram os Somoza, desde Somoza Garcia, que de 1936 a 1956 governou o país eliminando a oposição, tendo, inclusive, executado o general Sandino e seus simpatizantes. Somoza Garcia, respeitado pelos capitalistas americanos, se tornou um dos homens mais ricos da América exportando café e carne bovina e se aproveitando da Segunda Guerra Mundial para oprimir os descendentes de alemães, os obrigando a vender suas terras a preços baixíssimos e determinados por ele mesmo através da criação de monopólios comerciais.
Com a ascensão do movimento sandinista nos anos 70 e 80, a Nicarágua viria revelar a todo o público a “ética” do governo norte-americano quando o governo Reagan para tentar impedir a vitória do sandinista Daniel Ortega em 1986 utilizou dinheiro de armas vendidas ao Irã para financiar os reacionários na Nicarágua, vale lembrar que o Irã estava em guerra contra os EUA, o que não impedia o lucrativo negócio do tráfico de armas para formação de caixa 2. O episódio ficou conhecido como Irã-contras.
Na República Dominicana, o aliado norte americano foi o ditador Rafael Trujillo. Este ficou mais de trinta anos no poder deixando um saldo de milhares de mortes. O regime de Trujillo matava opositores em plena luz do dia e até exilados em outros países. O ditador que governou o país entre 1930 a 1961 chegou a ser dono de mais de 70% das terras agricultáveis do país. Sobre ele, o diplomata e secretário norte-americano Cordell Hull teria confidenciado ao presidente Roosevelt “ele é um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”.
Em comum a todas essas ditaduras, não há apenas o apoio dos EUA, mas seus golpistas pertencerem às oligarquias agrárias e se beneficiarem com uma economia de exportação de matérias-primas e uma estrutura agrária baseada no latifúndio e na monocultura. A dependência e o modelo econômico que promove a ruína de milhões condenados à miséria é a razão do poder e da riqueza dos grupos econômicos e políticos reacionários que tomaram o poder contando com uma postura beneplácita de presidentes dos EUA e de empresários americanos a quem essas ditaduras interessavam.
INTERVENÇÃO DA CIA NA AMÉRICA LATINA
A primeira ditadura da América Latina a contar com a intervenção direta da CIA foi a da Guatemala em 1954. O governo de Jabobo Arbenz promoveu algumas reformas de caráter nacionalista que, no máximo, modernizariam e aumentariam as relações de produção no país, diminuindo a quantidade de terras ociosas. Arbenz, conhecido como o suíço, estava longe de ser um comunista, sua reforma era meramente nacionalista. Essa reforma agrária tímida de Arbenz, entretanto, iria contra os interesses imperialistas da United Fruit Company, empresa norte americana que exportava frutas tropicais. Na Guatemala, principalmente se produzia bananas e abacaxis para exportação. Para evitar que a Guatemala se tornasse uma praia soviética, como sugeriu o diretor da CIA Allen Dules, e impedir que o seu negócio de exportação de frutas fosse prejudicado, os EUA promoveram um Golpe de Estado e implantaram uma ditadura no país. Os sucessivos governos militares para garantirem os lucros americanos com bananas e abacaxis foram responsáveis pela morte de 140 mil pessoas, ativistas dos direitos humanos falam até em 250 mil.
AS DITADURAS NA AMÉRICA DO SUL
Depois do período do populismo em que a conciliação de classes e o Estado como impulsionador do capitalismo foram a alternativa do capital à crise de 1929, a América do Sul viveu um curtíssimo período democrático que logo em seguida daria lugar a uma série de ditaduras com apoio direto dos EUA e intervenção da CIA. A primeira ditadura desse período foi a do Paraguai em 1954, com Alfredo Stroessner derrubando a força Federico Chávez, político populista contrário ao FMI. Stroessner foi eleito através da fraude. A eleição do ditador paraguaio aconteceu impedindo a existência de oposição no pleito. Uma vez no poder todos os partidos foram fechados e apenas o colorado lançava candidato a presidente, não por coincidência, sempre Stroessner era o escolhido, assim, como candidato único e em eleições aonde chegava a ter 99,9% dos votos. Para se manter no poder os militares criaram uma política de delações, além de condicionarem vagas nas universidades e cargos públicos à filiação ao partido colorado. Stroessner, considerado então como um homem equilibrado e pacificador, assinou um pacto com altos oficiais americanos e brasileiros onde se comprometia barrar a ameaça comunista. Com apoio dos EUA e dos latifundiários do país, o ditador ficaria no poder até 1989. A ditadura paraguaia, como a brasileira, assistiu um crescimento econômico intenso promovido pelo aumento do fluxo de capital estrangeiro, em especial, os setores agrários, protagonistas do golpe, cresceram de forma expressiva com uma política de isenção de impostos e créditos a juros baixos. Da mesma maneira que o setor industrial também tirou suas vantagens, principalmente com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, que teve um investimento de 18 bilhões de dólares e fez surgir uma nova classe de ricos, chamados barões de Itaipu. Esse crescimento certamente não alcançou a maioria da população, dados apontam que 1% da população detinha 80% de toda a riqueza nacional.
Com a vitória da revolução cubana em 1959, os EUA apertaram o cerco sobre a América. Era preciso reprimir ainda mais os trabalhadores, o trabalho duro dos latinos, a mais-valia absoluta, a apropriação da matéria-prima e todas as práticas imperialistas precisavam ser mantidas a qualquer custo. Uma nova Cuba não podia acontecer de maneira alguma.
Para essa missão o imperialismo yankee não mediu esforços e nem vacilou, em 1946 já havia criado a Escola das Américas, cujo objetivo era formar militares golpistas e ditadores. A agência secreta americana estava presente em todos os governos, infiltrada em vários movimentos sociais. Em 1961, com o argumento de construir uma cooperação para desenvolver a América Latina e combater o comunismo é criada a Aliança Para o Progresso, cujo real objetivo era controlar de perto possíveis movimentos revolucionários ou qualquer ação dos trabalhadores que contrariassem os interesses do capitalismo americano e internacional.
Em 1964 duas ditaduras na América do Sul tiveram intervenção direta das forças armadas e do governo norte americano: Brasil e Bolívia. Nos dois casos os governos passam a adotar políticas privatizantes, retirar direitos trabalhistas, proibir as greves, criminalizar os comunistas e receber empresas estrangeiras interessadas em uma mão de obra barata e que trabalhava sob o “tacão de ferro” dos militares. As tentativas de resistência dos mineiros e operários bolivianos, das ligas camponesas e trabalhadores no Brasil foram reprimidas com prisões ilegais, torturas, assassinatos e todo tipo de crueldade. Em 1967, na Guerrilha de Ñancahuazú que tentava libertar a Bolívia da ditadura, foi morto o revolucionário argentino Ernesto Che Guevara pelas forças da CIA.
Em 1966, começaria a ditadura militar Argentina. Assim como no Brasil, a ditadura na Argentina foi apresentada como uma grande revolução democrática. Com a ajuda dos EUA e de várias empresas americanas, argentinas e transnacionais. Entre 1966 e 1983 o país virou um verdadeiro inferno para quem se opusesse a política pró-americana e liberal dos ditadores. Vários comunistas foram jogados vivos de aviões no mar, 340 campos de concentração foram criados onde trabalhadores “subversivos” eram castigados e condenados a escravidão, cerca de 9 mil pessoas foram mortas e outras 20 mil desapareceram, deixando filhos órfãos, pais e mães desesperados. Como se não bastasse mais de 500 bebês foram retirados dos seus pais “subversivos” para ser entregues a militares e então receberem uma educação “de bem”, o sequestro dos bebês seria denunciado por um movimento que ficou conhecido como “as mães da praça de maio” quando as mães se reúnem na praça em Buenos Aires para exigir seus filhos de volta, sob o regime dos militares e conservadores Argentinos os moralistas estavam destruindo as famílias, separando mãe e filhos através do sequestro.
A linha dura foi a característica principal das ditaduras nos anos 70, seja no governo de Jorge Rafael Vidella na Argentina ou do general Médici no Brasil. As justificativas para os golpes militares eram as mesmas: ameaça comunista, imoralidade, corrupção, defesa da democracia contra a ditadura soviética e chinesa etc. A verdade é que todas as tentativas de conquistas mínimas para os trabalhadores na América do Sul podiam atingir os lucros das grandes empresas americanas e dos latifundiários locais. O pacto entre as burguesias latinas e as empresas estrangeiras, entre burguesias nacionais entreguistas e o governo americano era para exterminar qualquer possibilidade de mudança do ciclo do mesmo e garantir que os trabalhadores continuassem a assumir papel de pária na divisão internacional do trabalho.
O que aconteceria se os trabalhadores do campo se rebelassem contra os latifundiários e entendessem que como camponeses são os legítimos donos das terras? Quem teria mais direito às terras do que os indígenas e aqueles que nela trabalham e dela vivem? No Peru, em 1963, um grande movimento chamado “Tierra o Muerte”, que contou com mais de 300 mil comuneiros, pensou exatamente assim. Os camponeses passaram então a ocupar as terras que lhes fora tomada pelos latifundiários, inclusive, terras produtivas, questionando o latifúndio conquistado pelo extermínio em massa promovido pela invasão espanhola. A ameaça comunista e a desordem pública causada pelos terroristas do campo foram os argumentos para o golpe militar no Peru em 1968. O ditador Velasco Alvaredo foi o nome ideal para servir ao capital dos EUA satisfazendo sua vontade de transformar a terra em lucro para alguns e fome para a maioria.
Em 1973, o Uruguai e o Chile sofreriam com os golpes orquestrados pela burguesia nacional e internacional. No primeiro caso a ditadura seria a única forma de impedir a ameaça representada pelo Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros (MLN-T), a verdade é que a partir da ditadura, a esquerda uruguaia foi complemente dizimada. O país que em 1973 organizou a maior greve geral da sua história passaria a viver anos de extrema repressão aos trabalhadores. No caso chileno, o presidente Allende, com apoio da unidade popular (grupo formado por vários partidos de esquerda), tentava aplicar algumas reformas no intuito de diminuir a extrema desigualdade do país, Allende foi eleito, não era um revolucionário, mas um social democrata. O golpe que colocou o general Augusto Pinochet no poder por sete anos deixava clara a intenção dos empresários e governos que o orquestraram. A ditadura chilena aplicou o neoliberalismo, aliou-se totalmente aos EUA e Inglaterra, fez reformas privatizantes na educação e na previdência, ajudou a trazer empresas transnacionais que recebiam várias benesses e isenções fiscais, enquanto os trabalhadores sentiam o arrocho salarial e a carestia. As consequências da política econômica neoliberal de Pinochet têm consequências décadas depois com o desmonte completo do sistema educacional, privatizado de cima abaixo, no caso das mudanças na previdência social, passados 30 anos da pilhagem neoliberal, as pessoas descobriram da pior forma que não tinham mais direito a aposentadoria.  Para manter as empresas estrangeiras e a elite chilena mais reacionária lucrando muito, o governo utilizou de toda forma de violência, chegando a prender pessoas em estádios de futebol e promover milhares de fuzilamentos.

A DITADURA EMPRESARIAL-MILITAR NO BRASIL (1964/1985)

O golpe empresarial-militar brasileiro é mais um cujo ardil dos empresários era a ameaça comunista, o perigo do espraiamento da ditadura soviética. Com o pretexto de defender a democracia, um grupo de empresários -  como Ângelo Calmon de Sá, ligado a Antônio Carlos Magalhães e Paulo Maluf, Roberto Marinho, presidente das organizações globo, Henning Albert Boilesen do grupo ULTRA, empresário que chegou a comprar instrumentos de tortura e participava das monstruosas sessões de eletrochoque, Octávio Frias de Oliveira, do Grupo Folha e Victor Civita, do Grupo Abril - arquitetou o golpe que rapidamente  atacaria todas as organizações trabalhistas, intelectuais e partidos de esquerda. Essa súcia de empresários brasileiros e os capitalistas americanos queriam evitar a provável eleição de João Goulart e barrar a reforma tributária, a do setor bancário e a agrária, os americanos queriam garantir que o Brasil continuasse com o seu papel dependente dentro da economia globalizada, isso é mais uma evidencia que o golpe militar no Brasil  não foi uma decisão isolada de militares autoritários e com sede de sangue, foi antes uma decisão orquestrada por interesses de setores da burguesia nacional e internacional, com apoio dos EUA com participação direta do coronel americano Vernon Walters e a total aprovação e mediação da USAID (Agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento internacional).

Os interesses econômicos logo ficaram evidentes no novo papel das estatais com os governos militares. A vida se tornou mais cara para todos, e isso não se devia apenas a dívida externa contraída por JK (argumento sempre utilizado como bode expiatório), mas porque as estatais agora precisavam dar lucros, serviços ligados ao petróleo e a energia tiveram um aumento bastantes substancial. Durante todo o regime militar os salários dos servidores públicos cresceram menos do que a inflação, o que acarretou um empobrecimento desses servidores, a suposta forma de combater a inflação pensada pelos ministros da fazenda Otávio Gouveia de Bulhões e do planejamento Roberto Campos durante o governo de Castelo Branco, se tornavam uma força bastante eficiente de sucatear a saúde, a educação e outros serviços. As estatais, aliás, foram a grande fonte de corrupção da ditadura empresarial-militar, obras como a construção da ponte Rio-Niterói, da transamazônica, e das usinas de Angra, eram escandalosamente superfaturadas, porém graças a censura prévia e a lei de segurança nacional, a imprensa não podia denunciar os crimes fiscais, o peculato e os desvios de fortunas feitas pelos milicos.

A política econômica dos empresários e militares levaram a um crescimento da concentração de renda e um aumento gigantesco da pobreza, o milagre econômico era apenas para os ricos, com o arrojo salarial e leis anti-greve, houve crescimento econômico, mas isso não significava justiça social e qualidade de vida para os trabalhadores, era apenas expressão do aumento da massa geral de mais-valia, Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em plena época do “milagre econômico” (1968/1973), 12,5% dos trabalhadores ganhavam até meio salário mínimo; 20,8% recebiam até um salário mínimo; 31,1% até dois salários mínimos; 23,6% entre dois e cinco salários mínimos; 7,25% entre cinco e dez salários mínimos; 3,2% entre dez e vinte salários mínimos; e 1,6% recebiam mais que vinte salários mínimos. Ou seja, enquanto o suposto “milagre econômico” estava a todo vapor, 64,4% da população recebia, no máximo, dois salários mínimos. Em 1960, isto é, quatro anos antes do golpe militar, os 20% mais pobres no Brasil detinham 3,9% da renda nacional. Em 1970, este percentual caiu para 3,4% e, em 1980, para 2,8%. Fazendo um outro recorte, considerando agora os 50% mais pobres, estes detinham, em 1960, 17,4% da renda nacional. Sua participação na riqueza nacional caiu para 14,9%, em 1970, e para 12,6%, em 1980. Ao mesmo tempo, os 10% mais ricos subiram de 39,5%, em 1960, para 46,7%, em 1970, e para 50,9%, em 1980. Os 5% mais ricos viram suas fortunas aumentar de 28,3%, em 1960, para 34,1%, em 1970, até chegar aos 37,9%, em 1980. E, por fim, os 1% muito ricos saltaram de 11,9%, em 1960, para 14,7%, em 1970, até os 16,9%, em 1980.

A riqueza produzida com o aumento da mais-valia e controle total do capital sobre o trabalho a partir do fim do direito de greve e de manifestações, aumentou muito a concentração de renda como os dados apontados atestam. Essa concentração de riqueza, expansão da pobreza, somada a uma polícia autoritária e corrupta, foi a pedra angular do surgimento do narcotráfico organizado, da formação das grandes quadrilhas como o Comando Vermelho. Para quem acredita que durante a ditadura empresarial-militar havia menos violência, José Murilo de Carvalho, no livro Cidadania no Brasil. O longo Caminho (3ª ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2002), escreve que foi justamente nesse período que “muitas favelas, sobretudo em cidades como o Rio de Janeiro, passaram a ser ocupadas por traficantes, devido à ausência de segurança pública” (p.194-195). Ainda segundo o autor nesse período, “a expansão do tráfico de drogas e o surgimento do crime organizado aumentaram a violência urbana e pioraram ainda mais a situação das populações faveladas” (p.194).

A violência, a concentração de renda e a favelização se consubstanciaram na tônica das condições sociais de vida para os trabalhadores no regime empresarial-militar. Diferente do que é decantado pelas elites e setores militares, nos 20 anos em que os militares estiveram no poder o que se viu foi o agravamento da miséria. Segundo o Jornal El PAÌS

Como a distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante desigual, a concentração de renda também aumentou muito no período, especialmente entre a população que possuía um grau maior de instrução. Isso fez com que a desigualdade social conhecesse níveis nunca vistos antes. Em 1960, antes da ditadura, o índice de Gini, utilizado para medir a concentração de renda estava em 0,54 (o coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual) e pulou para 0,63 em 1977. Os economistas foram unânimes em dizer que os empresários e a classe média que possuía maior nível de instrução foram beneficiados em detrimento da parte mais pobre da população.[2]

O capital internacional também lucrou muito com a ditadura e é coautor do golpe, as multinacionais:

não encontravam nenhuma barreira para explorar os trabalhadores e os recursos brasileiros e remeter fantásticos lucros para suas matrizes no exterior. A fabricante de cigarros Souza Cruz, por exemplo, de 1966 a 1976, investiu 2,5 milhões de dólares no Brasil e remeteu ao exterior, sob a forma de lucros, vultuosos 82,3 milhões. A Firestone, por sua vez, investiu tímidos 4,1 milhões, conforme dados de uma CPI da Câmara dos Deputados, realizada em 1976, e remeteu ao exterior a gorda fatia de 50,2 milhões de dólares.[3]

O regime que se autodenominava de revolução democrática e prometia eleições em 1965, deu mais um golpe e em 1967 mostrava o seu lado mais violento com a chegada da linha dura ao poder. O general Artur da Costa e Silva não pouparia esforços no combate aos comunistas, os guerrilheiros, a todo e qualquer pensamento de esquerda.

Enquanto parte de classe média brasileira era seduzida pelo milagre econômico, resultado de uma verdadeira injeção de capital estrangeiro, com a chegada de algumas empresas multinacionais que aqui se estabeleciam se aproveitando dos baixos salários e da inexistência de sindicatos livres, a esquerda procurava meios de combater um dos períodos mais violentos da nossa história. Na legitimidade era impossível fazer o combate, pois com o bipartidarismo haviam apenas o partido dos militares ARENA e a oposição consentida MDB. Os partidos comunistas foram decretados ilegais. Ainda influência das revoluções cubana e chinesa, a estratégia da luta armada se tornava mais que uma alternativa possível.

Diante da impossibilidade de lutar dentro da ordem e da legalidade, guerra de guerrilha de Che Guevara, parecia aos militantes do PC do B (dissidência do PCB) uma via plausível, outras ações seriam realizadas no Vale da Ribeira e na Serra da Cantareira em São Paulo.

A luta armada seguiu em duas frentes, no interior com a batalha do Araguaia e na guerrilha urbana. A ideia do Araguaia como ponto estratégico foi um erro, a distância das massas e a falta de comunicação com a sociedade deixou isolados os revolucionários que foram facilmente vencidos pelas forças do exército. A guerrilha urbana de Carlos Marighela foi mais incômoda à ditadura e mais difícil de ser vencida, não havia um plano perfeito por parte dos militares, não poderiam usar tangues de guerra nas ruas, precisaram usar a inteligência para capturar e matar as lideranças comunistas. Para operacionalizar a caça aos comunistas foi criada a OBAN (operação Bandeirantes), policiais ligados a verdadeiros esquadrões da morte, financiados por empresários, e que atuavam junto a órgãos oficiais do regime para fazer o trabalho sujo. Marighela foi morto pela OBAN, os guerrilheiros do Araguaia torturados, presos, mortos, a ditadura sanguinária usou do extremo da violência, essa prática marcaria até hoje a nossa polícia. O discurso ideológico da mídia que precisava transformar comunista em terrorista, revolucionário em bandido, e ditador em “homem de bem” também encontra seus ecos nos programas policiais de fim da tarde atualmente na crítica aos direitos humanos e na promoção do clima de ameaça constante, onde só se pode contar com uma polícia violenta.

A violência dos militares se tornou tão incontrolável e sádica que atingiu os conservadores da classe média. Com o fim do “milagre” econômico e a ausência de liberdade individual e política se tornando cada vez mais evidentes, a ditadura mostrava a sua verdadeira face, a aparência democrática a muito desaparecera. O caminho para a redemocratização partiu de estudantes e trabalhadores do campo e da cidade país afora.  A abertura “lenta e gradual” de Geisel era o embuste dos milicos para manter o regime por mais dez anos.

No percurso para a democratização e com a derrota da luta armada, as organizações de esquerda começaram a priorizar a luta pela abertura política, adiando as pautas econômicas, sociais; ao mesmo recuando e rebaixando nas críticas ao próprio capitalismo; assim a ditadura empresarial-militar já havia cumprido a sua função, desmontar a esquerda, seja pela repressão, tortura e morte ou pelo desmantelamento total das organizações trabalhistas e de uma cultura de lutas. Os comunistas adiam e/ou abandonam a revolução e adotam uma tática que se restringia à esfera política. Com o intuito de fortalecer o combate à ditadura e defender a democracia, construiu-se uma luta conjunta e ampla pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira (MDB) que estabelecia eleições diretas para presidente em 1985. A campanha “diretas já” que começa vinte anos após o golpe, envolvia artistas, políticos de várias colorações e tendências, intelectuais e até setores progressistas da igreja católica.

A emenda Dante de Oliveira não foi aprovada pelos parlamentares, mesmo assim em 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves, o primeiro civil a ser presidente desde o golpe, o regime militar tinha fim. A primeira eleição direta aconteceria apenas em 1989, sendo vencida por Fernando Collor, defensor do neoliberalismo e representante das oligarquias agrárias do Nordeste. Com tudo isso, a democracia burguesa, em certa medida, apresenta um avanço para os trabalhadores, já que lutar na democracia burguesa é sempre melhor que em uma ditadura.

Não podemos ser anacrônicos e querer agora julgar e mostrar o dedo na cara daqueles que lutaram, morreram e foram torturados pelos milicos. Precisamos, contudo, aprender com a história. Os principais erros da esquerda nesse período estão centrados em uma leitura romântica e parcial da realidade, no modelo de organização stalinista-lenista que hora mimetizava a revolução, hora tentava aplicar ao Brasil táticas de guerrilha de Cuba, do Vietnã e da China maoísta. A vontade de fazer a revolução não significa que temos base política para isso, não basta pegar em armas para ter o apoio das massas; a vanguarda precisa estar próxima das massas e não em um mundo à parte. A revolução é uma ação da massa organizada, dos operários e dos camponeses, à vanguarda não cabe a tarefe de liderar ou fazer a revolução, mas ajudar e contribuir para a consciência revolucionária dos trabalhadores.

Devemos defender sempre a democracia no sentido mais pleno do termo, a democracia e o socialismo são sinônimos, pois somente com o socialismo o trabalhador decide sobre seu trabalho, somente no socialismo há liberdade; a democracia burguesa acaba no chão da Fábrica e no solo das fazendas. No Brasil, a substituição da ditadura pela democracia burguesa deixou muito claro como o capitalismo convivi bem os dois regimes, e pode sempre recorrer ao militarismo e a força quando precisar, um exemplo disso é o DEM (democratas), o partido que já foi chamado de PFL, era a antiga ARENA, partido da ditadura. A democracia burguesa elegeu torturadores como Sergio Paranhos Fleury, permitiu que Collor, que sempre foi a favor da ditadura, se tornasse o primeiro presidente. O que precisamos aprender com a luta pela democracia no Brasil, é que isso é possível apenas no socialismo. No capitalismo apenas o mercado é livre.


O FIM DAS DITADURAS

Com o governo Gorbatchev deixando clara sua intenção de acabar com a URSS e abrir as portas para o capitalismo, o discurso da ameaça comunista perdeu fôlego. Mais do que isso, os governos militares não eram mais necessários, depois de décadas de perseguição e desarticulação da esquerda latina, a democracia burguesa era, agora, uma via segura.
Uma esquerda reformista que concentra suas forças na via eleitoral e aceita governar dentro dos limites do consenso de Washington não representa nenhuma ameaça ao capital. Dentro do estado de direito, a burguesia passou a manter o seu poder através de governos eleitos, seja com compra de votos, ou com todo o seu aparato midiático. As várias instituições da burguesia como a OEA e a ONU, os bancos internacionais passaram a considerar como legítimo ou não um governo, de acordo com os seus critérios, ou seja, todos os presidentes para ter sua legitimidade reconhecida internacionalmente precisariam da aprovação de uma série de instituições. Para conseguirem essa chancela das instituições capitalistas os governos precisam aplicar todo o receituário neoliberal, mesmo que para isso tenham que usar a violência contra os trabalhadores, esse expediente foi utilizado seja por um intelectual liberal como Fernando Henrique Cardoso, ou por um ditador como Alberto Fujimori, de Carlos Menen, mais a direita, a Hugo Chávez, a esquerda; o imperialismo norte-americano, as burguesias nacionais  e os grandes grupos capitalistas internacionais continuam a espremer toda a riqueza da América latina, os trabalhadores continuam a trabalhar para aumentar a riqueza dos outros ao tempo em que ampliam a própria miséria. A única alternativa possível é a construção do socialismo em toda a América latina, nos marcos do capitalismo jamais houve qualquer perspectiva para os latino-americanos que não fosse o trabalho escravo, a miséria e a exploração total. É preciso construir um movimento de ofensiva socialista que rompa com o reformismo e os falaciosos e enfadonhos discursos eleitoreiros, todos os governos são da burguesia, é mais do que urgente pensar para além do capital para a América latina e para os trabalhadores de todo mundo.








REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
Carvalho, José Murilo de, Cidadania no Brasil. O longo Caminho (3ª ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2002)
FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (org.). Nacionalismo e reformismo Radical (1945 – 1964). As Esquerdas no Brasil. vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
_____________________Revolução e democracia (1964 - ...). As Esquerdas no Brasil. vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
Galeano, Eduardo; As veias abertas da América Latina (1976, Tradução de Galeno de Freitas, Rio de Janeiro, Paz e Terra)
Janaina Martins Cordeiro / Isabel Cristina Leite / Diego Omar da Silveira / Daniel Aarão Reis, Á sombra das ditaduras, Brasil e América Latina (Maud X, 1º edição, São Paulo 2014)
MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013, pp. 113-158
Rezende, Mario José de, A ditadura militar no Brasil (1964-1984), repressão e pretensão de legitimidade, (Uduel, 2013)
IBGE (Instituto brasileiro de geografia e estatística) - https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/


[1] O termo cooperação aqui empregado está no sentido empregado por Marx no capítulo 11 de O capital. Onde Marx afirma que o ponto de partida da produção capitalista é colocar um grande número de trabalhadores ao mesmo tempo no mesmo lugar, sob o comando do capitalista. A forma de produzir das indústrias artesanais para a manufatura não foi a grande diferença.

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