DITADURAS NA AMÉRICA LATINA
RAPINAGEM
NORTE AMERICANA
O
escritor uruguaio Eduardo Galeano chamou de rapinagem o que os europeus fizeram
com as riquezas da América latina durante o período colonial, onde todos os
recursos naturais e todos os seres humanos da América deveriam se converter em
negócio das nações de Castela e Aragão. Cada centímetro de terra, minério,
arvore, fauna, flora, força de trabalho deveriam se moldar nos interesses do
capital estrangeiro. Para manter esse controle, espanhóis e portugueses,
promoveram no continente americano um modelo econômico de dependência fundado
em grandes oligarquias agrárias, escravistas e exportadoras (plantation).
Para Galeano a divisão mundial do trabalho
fez com que alguns países se especializassem em ganhar e outros a perder. A
América Latina servia como motor da economia hispano-lusitana; da prata de
Potosi ao ouro das Minas Gerais, da cana de açúcar, plantações de coca, tabaco,
milho ou algodão tudo significava lucro para os europeus. A exploração de
portugueses e espanhóis, no entanto, não resultou no desenvolvimento de um
capitalismo industrial nesses países, a verdade é que a riqueza extraída das
colônias acabava escoando para os países onde a produção manufatureira estava
mais desenvolvida e as formas de cooperação[1]
capitalistas garantiam acumulação de capital. Assim, A Inglaterra, Bélgica e a
França acabaram lucrando com o empreendimento colonial mais do que os próprios
colonizadores.
A conquista da liberdade política e a
criação de regimes republicanos no final do século XIX, pouco alteraram a
condições econômica e social dos países latino americanos. No fim do século
XIX, a influencia inglesa e francesa se tornou enorme sobre Portugal e Espanha
e consequentemente sobre os objetivos e metas da economia das colônias. Os
banqueiros ingleses, mesmo depois da independência da maioria dos países da
América Latina, tinham influência política enorme sobre os governos latino
americanos e suas economias. Um exemplo é o grupo Rothschild and sons, banco inglês, cujos volumosos empréstimos aos
empresários do agronegócio latino americano compravam os governos republicanos
do Cone Sul.
Essa situação de controle da Inglaterra
sobre a economia e a política dos países da América Latina iria mudar apenas no início
do século XX sob a máxima da doutrina Monroe “A América para os americanos”,
quando os EUA tomam o papel que antes fora da própria Inglaterra, dos
banqueiros de Flandres e das monarquias ibéricas. No começo do século XX, a
construção do canal do Panamá (1904), a interferência em Cuba através da Emenda
Platt (1902) e o envolvimento direto em vários momentos na revolução mexicana
(1911) demonstravam o caráter imperialista dos EUA na América Latina.
Durante
todo o século XX, os EUA estiveram envolvidos com as ditaduras na América
Latina. O ódio anticomunista presente no discurso do presidente Harry Truman ou
do senador Joseph Maccarthy acusando os soviéticos de ditadores, todo o
maniqueísmo macarthista que opunha um ocidente paladino da democracia contra
comunistas repressores não passava de sofisma barato para justificar as
próprias políticas autoritárias e a repressão a qualquer movimento contrário a
exploração capitalista.
Os
EUA foram durante todo século XX aliados e promotores de terríveis ditaduras na
América Latina, financiaram todos os governos que garantiam seus interesses
econômicos com o preço da miséria, da fome e da morte de milhões de seres
humanos.
A
história que nos é contada pelos filmes americanos e pela historiografia
burguesa é uma narrativa épica da luta do bem contra o mal, dos liberais e
democráticos contra a ditadura do leste europeu e da China. Não queremos aqui,
de maneira alguma, defender o stalinismo e nem o maoísmo, ou qualquer regime
autoritário, mas mostrar a farsa dessa oposição entre Ocidente e Oriente
durante a guerra fria que servia apenas para justificar o aumento da produção
armamentista e ampliar o imperialismo, especialmente o americano como afirma o
filósofo e linguista norte americano Noam Chomsky.
OS EUA E AS DITADURAS NA AMÉRICA: APOIO
ÀS VELHAS OLIGARQUIAS
Os
EUA, ao implantar em 1902, uma cláusula na constituição de Cuba chamada de
Emenda Platt, passava a ter direito de intervir militarmente, politicamente e
economicamente no país. Entre outras coisas, os EUA passavam a controlar
Guantánamo de forma perpétua, essa região serviu como campo de concentração
onde os americanos levaram descendentes de japoneses durante a segunda guerra
mundial. Os EUA, “terra da liberdade”, apoiaram Fulgêncio Batista, ditador que
governou Cuba entre 1933 e 1958. O tirano cubano mantinha ótimas relações com a
máfia americana que fazia de Havana um enorme cassino. Batista entregou todas
as riquezas do país a empresas privadas norte americanas. Diferentemente da
época de Fidel Castro, em momento algum da ditadura de Fulgêncio Batista foi
feito embargo, restrição ou críticas ao despotismo do presidente, nenhum
presidente americano pensou em garantir a democracia na ilha enquanto os
ditadores cubanos eram seus cúmplices e capachos.
Na
Nicarágua, os EUA sempre apoiaram os Somoza, desde Somoza Garcia, que de 1936 a
1956 governou o país eliminando a oposição, tendo, inclusive, executado o
general Sandino e seus simpatizantes. Somoza Garcia, respeitado pelos
capitalistas americanos, se tornou um dos homens mais ricos da América
exportando café e carne bovina e se aproveitando da Segunda Guerra Mundial para
oprimir os descendentes de alemães, os obrigando a vender suas terras a preços
baixíssimos e determinados por ele mesmo através da criação de monopólios
comerciais.
Com
a ascensão do movimento sandinista nos anos 70 e 80, a Nicarágua viria revelar
a todo o público a “ética” do governo norte-americano quando o governo Reagan
para tentar impedir a vitória do sandinista Daniel Ortega em 1986 utilizou
dinheiro de armas vendidas ao Irã para financiar os reacionários na Nicarágua,
vale lembrar que o Irã estava em guerra contra os EUA, o que não impedia o
lucrativo negócio do tráfico de armas para formação de caixa 2. O episódio
ficou conhecido como Irã-contras.
Na
República Dominicana, o aliado norte americano foi o ditador Rafael Trujillo.
Este ficou mais de trinta anos no poder deixando um saldo de milhares de
mortes. O regime de Trujillo matava opositores em plena luz do dia e até
exilados em outros países. O ditador que governou o país entre 1930 a 1961
chegou a ser dono de mais de 70% das terras agricultáveis do país. Sobre ele, o
diplomata e secretário norte-americano Cordell Hull teria confidenciado ao
presidente Roosevelt “ele é um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”.
Em
comum a todas essas ditaduras, não há apenas o apoio dos EUA, mas seus
golpistas pertencerem às oligarquias agrárias e se beneficiarem com uma
economia de exportação de matérias-primas e uma estrutura agrária baseada no
latifúndio e na monocultura. A dependência e o modelo econômico que promove a
ruína de milhões condenados à miséria é a razão do poder e da riqueza dos
grupos econômicos e políticos reacionários que tomaram o poder contando com uma
postura beneplácita de presidentes dos EUA e de empresários americanos a quem
essas ditaduras interessavam.
INTERVENÇÃO DA CIA NA AMÉRICA LATINA
A
primeira ditadura da América Latina a contar com a intervenção direta da CIA
foi a da Guatemala em 1954. O governo de Jabobo Arbenz promoveu algumas
reformas de caráter nacionalista que, no máximo, modernizariam e aumentariam as
relações de produção no país, diminuindo a quantidade de terras ociosas.
Arbenz, conhecido como o suíço, estava longe de ser um comunista, sua reforma era
meramente nacionalista. Essa reforma agrária tímida de Arbenz, entretanto, iria
contra os interesses imperialistas da United Fruit Company, empresa norte
americana que exportava frutas tropicais. Na Guatemala, principalmente se
produzia bananas e abacaxis para exportação. Para evitar que a Guatemala se
tornasse uma praia soviética, como sugeriu o diretor da CIA Allen Dules, e
impedir que o seu negócio de exportação de frutas fosse prejudicado, os EUA
promoveram um Golpe de Estado e implantaram uma ditadura no país. Os sucessivos
governos militares para garantirem os lucros americanos com bananas e abacaxis
foram responsáveis pela morte de 140 mil pessoas, ativistas dos direitos
humanos falam até em 250 mil.
AS DITADURAS NA AMÉRICA DO SUL
Depois
do período do populismo em que a conciliação de classes e o Estado como
impulsionador do capitalismo foram a alternativa do capital à crise de 1929, a
América do Sul viveu um curtíssimo período democrático que logo em seguida
daria lugar a uma série de ditaduras com apoio direto dos EUA e intervenção da
CIA. A primeira ditadura desse período foi a do Paraguai em 1954, com Alfredo
Stroessner derrubando a força Federico Chávez, político populista contrário ao
FMI. Stroessner foi eleito através da fraude. A eleição do ditador paraguaio
aconteceu impedindo a existência de oposição no pleito. Uma vez no poder todos
os partidos foram fechados e apenas o colorado lançava candidato a presidente,
não por coincidência, sempre Stroessner era o escolhido, assim, como candidato único
e em eleições aonde chegava a ter 99,9% dos votos. Para se manter no poder os
militares criaram uma política de delações, além de condicionarem vagas nas
universidades e cargos públicos à filiação ao partido colorado. Stroessner,
considerado então como um homem equilibrado e pacificador, assinou um pacto com
altos oficiais americanos e brasileiros onde se comprometia barrar a ameaça
comunista. Com apoio dos EUA e dos latifundiários do país, o ditador ficaria no
poder até 1989. A ditadura paraguaia, como a brasileira, assistiu um
crescimento econômico intenso promovido pelo aumento do fluxo de capital
estrangeiro, em especial, os setores agrários, protagonistas do golpe,
cresceram de forma expressiva com uma política de isenção de impostos e
créditos a juros baixos. Da mesma maneira que o setor industrial também tirou
suas vantagens, principalmente com a construção da Usina Hidrelétrica de
Itaipu, que teve um investimento de 18 bilhões de dólares e fez surgir uma nova
classe de ricos, chamados barões de Itaipu. Esse crescimento certamente não
alcançou a maioria da população, dados apontam que 1% da população detinha 80%
de toda a riqueza nacional.
Com
a vitória da revolução cubana em 1959, os EUA apertaram o cerco sobre a
América. Era preciso reprimir ainda mais os trabalhadores, o trabalho duro dos
latinos, a mais-valia absoluta, a apropriação da matéria-prima e todas as
práticas imperialistas precisavam ser mantidas a qualquer custo. Uma nova Cuba
não podia acontecer de maneira alguma.
Para
essa missão o imperialismo yankee não
mediu esforços e nem vacilou, em 1946 já havia criado a Escola das Américas,
cujo objetivo era formar militares golpistas e ditadores. A agência secreta
americana estava presente em todos os governos, infiltrada em vários movimentos
sociais. Em 1961, com o argumento de construir uma cooperação para desenvolver
a América Latina e combater o comunismo é criada a Aliança Para o Progresso,
cujo real objetivo era controlar de perto possíveis movimentos revolucionários
ou qualquer ação dos trabalhadores que contrariassem os interesses do
capitalismo americano e internacional.
Em
1964 duas ditaduras na América do Sul tiveram intervenção direta das forças
armadas e do governo norte americano: Brasil e Bolívia. Nos dois casos os
governos passam a adotar políticas privatizantes, retirar direitos
trabalhistas, proibir as greves, criminalizar os comunistas e receber empresas
estrangeiras interessadas em uma mão de obra barata e que trabalhava sob o
“tacão de ferro” dos militares. As tentativas de resistência dos mineiros e
operários bolivianos, das ligas camponesas e trabalhadores no Brasil foram
reprimidas com prisões ilegais, torturas, assassinatos e todo tipo de
crueldade. Em 1967, na Guerrilha de Ñancahuazú que
tentava libertar a Bolívia da ditadura, foi morto o revolucionário argentino
Ernesto Che Guevara pelas forças da CIA.
Em 1966, começaria a ditadura militar Argentina. Assim como no
Brasil, a ditadura na Argentina foi apresentada como uma grande revolução
democrática. Com a ajuda dos EUA e de várias empresas americanas, argentinas e
transnacionais. Entre 1966 e 1983 o país virou um verdadeiro inferno para quem
se opusesse a política pró-americana e liberal dos ditadores. Vários comunistas
foram jogados vivos de aviões no mar, 340 campos de concentração foram criados
onde trabalhadores “subversivos” eram castigados e condenados a escravidão,
cerca de 9 mil pessoas foram mortas e outras 20 mil desapareceram, deixando
filhos órfãos, pais e mães desesperados. Como se não bastasse mais de 500 bebês
foram retirados dos seus pais “subversivos” para ser entregues a militares e
então receberem uma educação “de bem”, o sequestro dos bebês seria denunciado
por um movimento que ficou conhecido como “as mães da praça de maio” quando as
mães se reúnem na praça em Buenos Aires para exigir seus filhos de volta, sob o
regime dos militares e conservadores Argentinos os moralistas estavam
destruindo as famílias, separando mãe e filhos através do sequestro.
A linha dura foi a característica principal das ditaduras nos anos
70, seja no governo de Jorge Rafael Vidella na Argentina ou do general Médici
no Brasil. As justificativas para os golpes militares eram as mesmas: ameaça
comunista, imoralidade, corrupção, defesa da democracia contra a ditadura
soviética e chinesa etc. A verdade é que todas as tentativas de conquistas
mínimas para os trabalhadores na América do Sul podiam atingir os lucros das
grandes empresas americanas e dos latifundiários locais. O pacto entre as
burguesias latinas e as empresas estrangeiras, entre burguesias nacionais
entreguistas e o governo americano era para exterminar qualquer possibilidade
de mudança do ciclo do mesmo e garantir que os trabalhadores continuassem a
assumir papel de pária na divisão internacional do trabalho.
O que aconteceria se os trabalhadores do campo se rebelassem
contra os latifundiários e entendessem que como camponeses são os legítimos
donos das terras? Quem teria mais direito às terras do que os indígenas e
aqueles que nela trabalham e dela vivem? No Peru, em 1963, um grande movimento
chamado “Tierra o Muerte”, que contou com mais de 300 mil comuneiros, pensou
exatamente assim. Os camponeses passaram então a ocupar as terras que lhes fora
tomada pelos latifundiários, inclusive, terras produtivas, questionando o latifúndio
conquistado pelo extermínio em massa promovido pela invasão espanhola. A ameaça
comunista e a desordem pública causada pelos terroristas do campo foram os
argumentos para o golpe militar no Peru em 1968. O ditador Velasco Alvaredo foi
o nome ideal para servir ao capital dos EUA satisfazendo sua vontade de
transformar a terra em lucro para alguns e fome para a maioria.
Em 1973, o Uruguai e o Chile sofreriam com os golpes orquestrados
pela burguesia nacional e internacional. No primeiro caso a ditadura seria a
única forma de impedir a ameaça representada pelo Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros (MLN-T), a verdade é que a partir da ditadura, a esquerda
uruguaia foi complemente dizimada. O país que em 1973 organizou a maior greve
geral da sua história passaria a viver anos de extrema repressão aos
trabalhadores. No caso chileno, o presidente Allende, com apoio da unidade
popular (grupo formado por vários partidos de esquerda), tentava aplicar
algumas reformas no intuito de diminuir a extrema desigualdade do país, Allende
foi eleito, não era um revolucionário, mas um social democrata. O golpe que
colocou o general Augusto Pinochet no poder por sete anos deixava clara a
intenção dos empresários e governos que o orquestraram. A ditadura chilena
aplicou o neoliberalismo, aliou-se totalmente aos EUA e Inglaterra, fez
reformas privatizantes na educação e na previdência, ajudou a trazer empresas
transnacionais que recebiam várias benesses e isenções fiscais, enquanto os
trabalhadores sentiam o arrocho salarial e a carestia. As consequências da
política econômica neoliberal de Pinochet têm consequências décadas depois com
o desmonte completo do sistema educacional, privatizado de cima abaixo, no caso
das mudanças na previdência social, passados 30 anos da pilhagem neoliberal, as
pessoas descobriram da pior forma que não tinham mais direito a aposentadoria. Para manter as empresas estrangeiras e a elite
chilena mais reacionária lucrando muito, o governo utilizou de toda forma de
violência, chegando a prender pessoas em estádios de futebol e promover
milhares de fuzilamentos.
A
DITADURA EMPRESARIAL-MILITAR NO BRASIL (1964/1985)
O golpe empresarial-militar brasileiro é mais um cujo ardil dos
empresários era a ameaça comunista, o perigo do espraiamento da ditadura soviética.
Com o pretexto de defender a democracia, um grupo de empresários - como Ângelo Calmon de Sá, ligado a Antônio
Carlos Magalhães e Paulo Maluf, Roberto Marinho, presidente das organizações
globo, Henning Albert Boilesen do grupo ULTRA, empresário que
chegou a comprar instrumentos de tortura e participava das monstruosas sessões
de eletrochoque, Octávio Frias de Oliveira, do Grupo Folha e Victor Civita, do
Grupo Abril - arquitetou o golpe que rapidamente atacaria todas as organizações trabalhistas,
intelectuais e partidos de esquerda. Essa súcia de empresários brasileiros e os
capitalistas americanos queriam evitar a provável eleição de João Goulart e
barrar a reforma tributária, a do setor bancário e a agrária, os americanos
queriam garantir que o Brasil continuasse com o seu papel dependente dentro da
economia globalizada, isso é mais uma evidencia que o golpe militar no Brasil não
foi uma decisão isolada de militares autoritários e com sede de sangue, foi
antes uma decisão orquestrada por interesses de setores da burguesia nacional e
internacional, com apoio dos EUA com participação direta do coronel americano
Vernon Walters e a total aprovação e mediação da USAID (Agência dos Estados
Unidos para o desenvolvimento internacional).
Os interesses econômicos logo ficaram evidentes no novo papel das
estatais com os governos militares. A vida se tornou mais cara para todos, e
isso não se devia apenas a dívida externa contraída por JK (argumento sempre
utilizado como bode expiatório), mas porque as estatais agora precisavam dar
lucros, serviços ligados ao petróleo e a energia tiveram um aumento bastantes
substancial. Durante todo o regime militar os salários dos servidores públicos
cresceram menos do que a inflação, o que acarretou um empobrecimento desses
servidores, a suposta forma de combater a inflação pensada pelos ministros da
fazenda Otávio Gouveia de Bulhões e do planejamento Roberto Campos durante o
governo de Castelo Branco, se tornavam uma força bastante eficiente de sucatear
a saúde, a educação e outros serviços. As estatais, aliás, foram a grande fonte
de corrupção da ditadura empresarial-militar, obras como a construção da ponte
Rio-Niterói, da transamazônica, e das usinas de Angra, eram escandalosamente
superfaturadas, porém graças a censura prévia e a lei de segurança nacional, a
imprensa não podia denunciar os crimes fiscais, o peculato e os desvios de
fortunas feitas pelos milicos.
A política econômica dos empresários e militares levaram a um
crescimento da concentração de renda e um aumento gigantesco da pobreza, o
milagre econômico era apenas para os ricos, com o arrojo salarial e leis
anti-greve, houve crescimento econômico, mas isso não significava justiça
social e qualidade de vida para os trabalhadores, era apenas expressão do aumento
da massa geral de mais-valia, Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) mostram que, em plena época do “milagre econômico”
(1968/1973), 12,5% dos trabalhadores ganhavam até meio salário mínimo; 20,8%
recebiam até um salário mínimo; 31,1% até dois salários mínimos; 23,6% entre
dois e cinco salários mínimos; 7,25% entre cinco e dez salários mínimos; 3,2%
entre dez e vinte salários mínimos; e 1,6% recebiam mais que vinte salários
mínimos. Ou seja, enquanto o suposto “milagre econômico” estava a todo vapor,
64,4% da população recebia, no máximo, dois salários mínimos. Em 1960, isto é,
quatro anos antes do golpe militar, os 20% mais pobres no Brasil detinham 3,9%
da renda nacional. Em 1970, este percentual caiu para 3,4% e, em 1980, para
2,8%. Fazendo um outro recorte, considerando agora os 50% mais pobres, estes
detinham, em 1960, 17,4% da renda nacional. Sua participação na riqueza
nacional caiu para 14,9%, em 1970, e para 12,6%, em 1980. Ao mesmo tempo, os
10% mais ricos subiram de 39,5%, em 1960, para 46,7%, em 1970, e para 50,9%, em
1980. Os 5% mais ricos viram suas fortunas aumentar de 28,3%, em 1960, para
34,1%, em 1970, até chegar aos 37,9%, em 1980. E, por fim, os 1% muito ricos
saltaram de 11,9%, em 1960, para 14,7%, em 1970, até os 16,9%, em 1980.
A riqueza produzida com o aumento da mais-valia e controle total do
capital sobre o trabalho a partir do fim do direito de greve e de
manifestações, aumentou muito a concentração de renda como os dados apontados
atestam. Essa concentração de riqueza, expansão da pobreza, somada a uma
polícia autoritária e corrupta, foi a pedra angular do surgimento do
narcotráfico organizado, da formação das grandes quadrilhas como o Comando
Vermelho. Para quem acredita que durante a ditadura empresarial-militar havia
menos violência, José Murilo de Carvalho, no livro Cidadania no Brasil. O longo
Caminho (3ª ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2002), escreve que foi
justamente nesse período que “muitas favelas, sobretudo em cidades como o Rio
de Janeiro, passaram a ser ocupadas por traficantes, devido à ausência de
segurança pública” (p.194-195). Ainda segundo o autor nesse período, “a
expansão do tráfico de drogas e o surgimento do crime organizado aumentaram a
violência urbana e pioraram ainda mais a situação das populações faveladas”
(p.194).
A violência, a concentração de renda e a favelização se consubstanciaram
na tônica das condições sociais de vida para os trabalhadores no regime
empresarial-militar. Diferente do que é decantado pelas elites e setores
militares, nos 20 anos em que os militares estiveram no poder o que se viu foi
o agravamento da miséria. Segundo o Jornal El PAÌS
Como a
distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante desigual, a
concentração de renda também aumentou muito no período, especialmente entre a
população que possuía um grau maior de instrução. Isso fez com que a
desigualdade social conhecesse níveis nunca vistos antes. Em 1960, antes da
ditadura, o índice de Gini, utilizado para medir a concentração de renda estava
em 0,54 (o coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais
desigual) e pulou para 0,63 em 1977. Os economistas foram unânimes em dizer que
os empresários e a classe média que possuía maior nível de instrução foram
beneficiados em detrimento da parte mais pobre da população.[2]
O capital internacional também lucrou muito com a ditadura e é coautor
do golpe, as multinacionais:
não encontravam nenhuma barreira para
explorar os trabalhadores e os recursos brasileiros e remeter fantásticos
lucros para suas matrizes no exterior. A fabricante de cigarros Souza Cruz, por
exemplo, de 1966 a 1976, investiu 2,5 milhões de dólares no Brasil e remeteu ao
exterior, sob a forma de lucros, vultuosos 82,3 milhões. A Firestone, por sua
vez, investiu tímidos 4,1 milhões, conforme dados de uma CPI da Câmara dos
Deputados, realizada em 1976, e remeteu ao exterior a gorda fatia de 50,2
milhões de dólares.[3]
O regime que se autodenominava de revolução democrática e prometia
eleições em 1965, deu mais um golpe e em 1967 mostrava o seu lado mais violento
com a chegada da linha dura ao poder. O general Artur da Costa e Silva não
pouparia esforços no combate aos comunistas, os guerrilheiros, a todo e
qualquer pensamento de esquerda.
Enquanto parte de classe média brasileira era seduzida pelo milagre
econômico, resultado de uma verdadeira injeção de capital estrangeiro, com a
chegada de algumas empresas multinacionais que aqui se estabeleciam se
aproveitando dos baixos salários e da inexistência de sindicatos livres, a
esquerda procurava meios de combater um dos períodos mais violentos da nossa
história. Na legitimidade era impossível fazer o combate, pois com o
bipartidarismo haviam apenas o partido dos militares ARENA e a oposição
consentida MDB. Os partidos comunistas foram decretados ilegais. Ainda
influência das revoluções cubana e chinesa, a estratégia da luta armada se
tornava mais que uma alternativa possível.
Diante da impossibilidade de lutar dentro da ordem e da legalidade, guerra
de guerrilha de Che Guevara, parecia aos militantes do PC do B (dissidência do
PCB) uma via plausível, outras ações seriam realizadas no Vale da Ribeira e na
Serra da Cantareira em São Paulo.
A luta armada seguiu em duas frentes, no interior com a batalha do Araguaia
e na guerrilha urbana. A ideia do Araguaia como ponto estratégico foi um erro,
a distância das massas e a falta de comunicação com a sociedade deixou isolados
os revolucionários que foram facilmente vencidos pelas forças do exército. A
guerrilha urbana de Carlos Marighela foi mais incômoda à ditadura e mais
difícil de ser vencida, não havia um plano perfeito por parte dos militares,
não poderiam usar tangues de guerra nas ruas, precisaram usar a inteligência
para capturar e matar as lideranças comunistas. Para operacionalizar a caça aos
comunistas foi criada a OBAN (operação Bandeirantes), policiais ligados a
verdadeiros esquadrões da morte, financiados por empresários, e que atuavam
junto a órgãos oficiais do regime para fazer o trabalho sujo. Marighela foi
morto pela OBAN, os guerrilheiros do Araguaia torturados, presos, mortos, a
ditadura sanguinária usou do extremo da violência, essa prática marcaria até
hoje a nossa polícia. O discurso ideológico da mídia que precisava transformar
comunista em terrorista, revolucionário em bandido, e ditador em “homem de bem”
também encontra seus ecos nos programas policiais de fim da tarde atualmente na
crítica aos direitos humanos e na promoção do clima de ameaça constante, onde
só se pode contar com uma polícia violenta.
A violência dos militares se tornou tão incontrolável e sádica que
atingiu os conservadores da classe média. Com o fim do “milagre” econômico e a
ausência de liberdade individual e política se tornando cada vez mais
evidentes, a ditadura mostrava a sua verdadeira face, a aparência democrática a
muito desaparecera. O caminho para a redemocratização partiu de estudantes e
trabalhadores do campo e da cidade país afora. A abertura “lenta e
gradual” de Geisel era o embuste dos milicos para manter o regime por mais dez
anos.
No percurso para a democratização e com a derrota da luta armada, as
organizações de esquerda começaram a priorizar a luta pela abertura política,
adiando as pautas econômicas, sociais; ao mesmo recuando e rebaixando nas
críticas ao próprio capitalismo; assim a ditadura empresarial-militar já havia
cumprido a sua função, desmontar a esquerda, seja pela repressão, tortura e
morte ou pelo desmantelamento total das organizações trabalhistas e de uma
cultura de lutas. Os comunistas adiam e/ou abandonam a revolução e adotam uma
tática que se restringia à esfera política. Com o intuito de fortalecer o
combate à ditadura e defender a democracia, construiu-se uma luta conjunta e
ampla pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira (MDB) que estabelecia eleições
diretas para presidente em 1985. A campanha “diretas já” que começa vinte anos
após o golpe, envolvia artistas, políticos de várias colorações e tendências,
intelectuais e até setores progressistas da igreja católica.
A emenda Dante de Oliveira não foi aprovada pelos parlamentares, mesmo
assim em 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves, o primeiro civil a ser
presidente desde o golpe, o regime militar tinha fim. A primeira eleição direta
aconteceria apenas em 1989, sendo vencida por Fernando Collor, defensor do
neoliberalismo e representante das oligarquias agrárias do Nordeste. Com tudo
isso, a democracia burguesa, em certa medida, apresenta um avanço para os
trabalhadores, já que lutar na democracia burguesa é sempre melhor que em uma
ditadura.
Não podemos ser anacrônicos e querer agora julgar e mostrar o dedo na
cara daqueles que lutaram, morreram e foram torturados pelos milicos.
Precisamos, contudo, aprender com a história. Os principais erros da esquerda
nesse período estão centrados em uma leitura romântica e parcial da realidade,
no modelo de organização stalinista-lenista que hora mimetizava a revolução,
hora tentava aplicar ao Brasil táticas de guerrilha de Cuba, do Vietnã e da
China maoísta. A vontade de fazer a revolução não significa que temos base
política para isso, não basta pegar em armas para ter o apoio das massas; a
vanguarda precisa estar próxima das massas e não em um mundo à parte. A
revolução é uma ação da massa organizada, dos operários e dos camponeses, à vanguarda
não cabe a tarefe de liderar ou fazer a revolução, mas ajudar e contribuir para
a consciência revolucionária dos trabalhadores.
Devemos defender sempre a democracia no sentido mais pleno do termo, a
democracia e o socialismo são sinônimos, pois somente com o socialismo o
trabalhador decide sobre seu trabalho, somente no socialismo há liberdade; a
democracia burguesa acaba no chão da Fábrica e no solo das fazendas. No Brasil,
a substituição da ditadura pela democracia burguesa deixou muito claro como o
capitalismo convivi bem os dois regimes, e pode sempre recorrer ao militarismo
e a força quando precisar, um exemplo disso é o DEM (democratas), o partido que
já foi chamado de PFL, era a antiga ARENA, partido da ditadura. A democracia
burguesa elegeu torturadores como Sergio Paranhos Fleury, permitiu que Collor,
que sempre foi a favor da ditadura, se tornasse o primeiro presidente. O que
precisamos aprender com a luta pela democracia no Brasil, é que isso é possível
apenas no socialismo. No capitalismo apenas o mercado é livre.
O FIM DAS DITADURAS
Com o governo Gorbatchev deixando clara sua intenção de acabar com
a URSS e abrir as portas para o capitalismo, o discurso da ameaça comunista
perdeu fôlego. Mais do que isso, os governos militares não eram mais
necessários, depois de décadas de perseguição e desarticulação da esquerda
latina, a democracia burguesa era, agora, uma via segura.
Uma esquerda reformista que concentra suas forças na via eleitoral
e aceita governar dentro dos limites do consenso de Washington não representa
nenhuma ameaça ao capital. Dentro do estado de direito, a burguesia passou a
manter o seu poder através de governos eleitos, seja com compra de votos, ou
com todo o seu aparato midiático. As várias instituições da burguesia como a
OEA e a ONU, os bancos internacionais passaram a considerar como legítimo ou
não um governo, de acordo com os seus critérios, ou seja, todos os presidentes
para ter sua legitimidade reconhecida internacionalmente precisariam da
aprovação de uma série de instituições. Para conseguirem essa chancela das
instituições capitalistas os governos precisam aplicar todo o receituário
neoliberal, mesmo que para isso tenham que usar a violência contra os
trabalhadores, esse expediente foi utilizado seja por um intelectual liberal
como Fernando Henrique Cardoso, ou por um ditador como Alberto Fujimori, de
Carlos Menen, mais a direita, a Hugo Chávez, a esquerda; o imperialismo
norte-americano, as burguesias nacionais
e os grandes grupos capitalistas internacionais continuam a espremer
toda a riqueza da América latina, os trabalhadores continuam a trabalhar para
aumentar a riqueza dos outros ao tempo em que ampliam a própria miséria. A
única alternativa possível é a construção do socialismo em toda a América
latina, nos marcos do capitalismo jamais houve qualquer perspectiva para os
latino-americanos que não fosse o trabalho escravo, a miséria e a exploração
total. É preciso construir um movimento de ofensiva socialista que rompa com o
reformismo e os falaciosos e enfadonhos discursos eleitoreiros, todos os
governos são da burguesia, é mais do que urgente pensar para além do capital
para a América latina e para os trabalhadores de todo mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios
de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
Carvalho, José Murilo de, Cidadania no Brasil. O longo Caminho (3ª ed. Rio de Janeiro. Civilização
Brasileira, 2002)
FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (org.). Nacionalismo e reformismo
Radical (1945 – 1964). As Esquerdas no Brasil. vol. 2. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007.
_____________________Revolução
e democracia (1964 - ...). As Esquerdas no Brasil. vol. 3. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007.
Galeano, Eduardo; As veias abertas da América Latina (1976, Tradução
de Galeno de Freitas, Rio de Janeiro, Paz e Terra)
Janaina
Martins Cordeiro / Isabel Cristina Leite / Diego Omar da Silveira / Daniel
Aarão Reis, Á sombra das
ditaduras, Brasil e América Latina (Maud X, 1º edição, São Paulo 2014)
MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política.
Livro I: O processo de produção do capital. Trad.
Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013, pp. 113-158
Rezende, Mario José de, A ditadura militar no Brasil (1964-1984), repressão e pretensão
de legitimidade, (Uduel, 2013)
IBGE (Instituto brasileiro de geografia e estatística) - https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/
[1]
O termo cooperação aqui empregado
está no sentido empregado por Marx no capítulo 11 de O capital. Onde Marx
afirma que o ponto de partida da produção
capitalista é colocar um grande número de trabalhadores ao mesmo tempo no mesmo
lugar, sob o comando do capitalista. A forma de produzir das indústrias
artesanais para a manufatura não foi a grande diferença.
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