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EXISTENCIALISMO

Marcos de Oliveira Silva[1]

O existencialismo é a parte da filosofia responsável pelo estudo da condição humana, no que se refere a existencialidade e seus dilemas éticos, nosso papel no mundo, diferenças entre o que idealizamos ser e o que somos, vontade e limites, liberdade de escolhas e determinismo, rejeição a si mesmos e auto aceitação e tudo mais que ajudar a explicar quem somos de verdade. As origens da filosofia existencialista estão no teólogo e filósofo Kierkegaard e sua obra o “desespero humano”

Kierkegaard

Para Kierkegaard o papel principal do saber filosófico é “ousarmos ser nós próprios, ousarmos ser um indivíduo, não um qualquer, mas este que somos, só face a Deus, isolado na imensidade do seu esforço e da sua responsabilidade.” [2]Kierkegaard compreende que nós somos um voltar-se. Esse, por sua vez, não é nada mais do que um terceiro elemento, reunidor de outros dois - finito e infinito, temporal e eterno, liberdade e necessidade. A esse voltar-se, dessa maneira reunidor, ele dá o nome de eu. Esse ´eu´, contudo, sempre ainda não existe, ou seja, ele é propriamente o elemento transcendente que nos constitui. Ele não se dá simplesmente como algo já existente ou já constituído, mas, sempre, como algo, a vir a ser constituído. Segundo Kierkegaard, “daí provém que haja duas formas do verdadeiro desespero”: a vontade desesperada de sermos nós próprios” (p. 197) e a vontade de não sermos nós próprios. Nessa perspectiva, à questão “de onde vem o desespero”, o autor responde: 
Da relação que a síntese (a reunião) estabelece consigo própria, pois Deus, fazendo com que o homem fosse esta relação, como que o deixa escapar da sua mão, de modo que a relação depende de si própria (...) nela (então) jaz a responsabilidade da qual depende todo o desespero, (...) e dela depende os discursos e o engenho dos desesperados em enganarem-se e enganar os outros, considerando-o como uma infelicidade. (p. 198)

            Esse desespero que pode ser tão grande ao ponto de se preferir a morte, só é superado a partir de Deus e da aceitação do que se é de fato, sem idealização, projeção externa do que se deveria ser, do que se acha ou acredita-se ser, mas da real compreensão do próprio ser e da própria existência.

Schopenhauer
Pensador alemão do século XIX, sua obra dividi os especialistas e estudiosos, pois enquanto a maioria considera sua filosofia como pessimista, outra parcela o considera apenas um anti-racionalista e estoico radical.  Para entender o seu pensamento existencialista é necessário saber que para o autor o mundo é uma representação cognoscente da consciência “O mundo é a minha representação: eis uma verdade que vale para cada ser vivente e cognoscitivo*, mesmo se somente o homem é capaz de acolhe-la na sua consciência reflexa e abstrata; e quando ele verdadeiramente o faz, a meditação filosófica nele penetrou”[3]. Quando Schopenhauer tenta entender o porquê queremos estar vivos, tendo em vista que isso não lhe parece óbvio e nem sensato, ele conclui que o nosso corpo é o único objetivo no universo que conhecemos de dentro e não de fora, por essa razão alimentamos um cego censo de sobrevivência, já que nossa existência está condenada a frustração, pois a vontade que nos move não é jamais saciada, cada nova realização é sucedida da frustração imediata e da vontade do que não se tem. Segundo o pensador: “São dessa natureza os esforços e os desejos humanos que nos fazem vibrar diante da sua realização como se fossem o fim último da nossa vontade; mas depois de satisfeitos mudam de fisionomia”[4] ou seja, toda satisfação é efêmera, já a frustração e o tédio são constantes.
Schopenhauer também não acredita na sinceridade do amor, diferente do seu inimigo filosófico Hegel, que acreditava no amor como porção de vida, para Schopenhauer o amor é uma desculpa da natureza para a preservação da existência e reprodução da espécie. Nas suas palavras “todo enamoramento, depois do gozo finalmente alcançado, experimenta uma estranha desilusão e se surpreende de que aquilo que tão ardentemente desejou não ofereça nada mais do que qualquer outra satisfação sexual “. Sem qualquer perspectiva, além da dignidade do suicídio, Schopenhauer vê no estoicismo a possibilidade de uma existência menos dolorosa, na medida em que vivi cada dia por vez, sem alimentar expectativas e que se aceita a mediocridade da vida, é possível ter uma existência suportável.

Nietzsche[5]   
Nietzsche propõe uma espécie de radicalização da liberdade, no sentido do direito de ser e de fazer, a vontade de potência não pode ter limites, ao homem tudo é possível e tudo é permitido, nesse sentido a ética, o cristianismo, o judaísmo e a tradição filosófica ocidental centrada em Platão, Aristóteles, Descartes e Kant precisam ser destruídas completamente. O para-além-do-homem deve viver de forma plena, sem que nenhuma moral ou filosofia limite ou venha podar os seus desejos. O que deve prevalecer é a moral dos fortes sobre o ressentimento dos derrotados. Nietzsche associa diretamente o pecado e a ética a fraqueza e ressentimento dos judeus e cristãos, a ideia de culpa serviria para controlar a vontade de potência dos fortes. Algumas das ideias de Nietzsche foram a base das teorias arianistas, do pangermanismo e da irracionalidade burguesa, na medida em que nenhuma moral ou preocupação com o Outro deva prevalecer, suas críticas ásperas ao cristianismo, a democracia burguesa, ao socialismo e ao anarquismo vão além da defesa da liberdade individual e de uma existência inconteste e humana, mas trazem uma ideia de essência humana egoísta, irracional, bestial onde só há o ego e a vontade de potência.
Nietzsche também sofria forte influência dos cosmólogos e da filosofia estoicista, de onde se origina a sua teoria do eterno retorno do mesmo e do amor fati. Segundo o pensador o universo é cíclico, assim todas as coisas da vida acontecem e retornam, vão e voltam, essa força natural se impõe sobre nós, entendo o funcionamento desse ciclo nos cabe saborear a dor, as derrotas, o fracasso com toda força e viver de forma intensa os momentos prazerosos, o amor fati, significa essa força diante da vida, a coragem para aceitar as coisas como são e a disposição e vontade de potencia para realizar a própria existência sem limites.

Jean Paul Sartre [6]

O pensador francês do século XX é o principal expoente do existencialismo, Sartre seria responsável por trazer à filosofia da existencialidade o humanismo e o materialismo, conferindo ao existencialismo uma maior objetividade e cientificidade.
Sartre parte do princípio que a existência precede a essência, portanto, antes de qualquer ser, é preciso existir e somente na medida em que se existe se inicia um processo de formação, de vir-a-ser. O nada, impensado em Parmênides, ganhou em Sartre um valor ontológico, uma vez que não há anterioridade a existência, nenhuma essência prévia ou determinação alguma, tudo é vir-a-ser, é expectativa de um projeto, por isso, de fato nada é, mas tudo está sendo. O materialismo e a concepção de que não há essência que anteceda a existência, mostraram a Sartre que somos, em ultima instancia, as nossas ações e escolhas, é possível que alguém defenda ideias, que se imagine de um modo, que diga acreditar em uma ética e etc. mas que objetivamente não viva nada disso, por essa razão Sartre diferencia o que se é, do que se quer ser, ou do que dizemos ser, o que somos, concreta e materialmente, tem sua origem em nós mesmos e não em algo externo, por isso o ser é o que é, nesse caso é exatamente como age nas sua situações concretas, não se é honesto  por se saber o que é honestidade e defender que seja honesto, mas sendo honesto nas situações reais que a vida apresenta.
Para Sartre somos condenados a liberdade, isso significa que não temos a opção de não fazer escolhas. Essa liberdade causa angustia e náusea, quando percebemos que, ao fim e ao cabo, somos responsáveis pelo nosso destino, pelas nossas escolhas e por nós mesmos. Nossas escolhas são intransferíveis e mesmo que tentemos culpar os outros e afirmar que foi a única a opção sabemos que sempre é possível desobedecer, tentar o máximo possível, mesmo que isso pareça improvável. O fato de sermos livres para escolher não nos torna senhores das consequências das nossas escolhas e tão pouco da vontade do Outro. As consequências das nossas escolhas são sempre incertas e desconhecidas, o outro é tão imponderável, incontrolável e imprevisível como EU, por isso “o inferno são os outros”. A certeza de que temos escolhas e em, em somos os únicos responsáveis por nós, a incerteza diante do resultado das nossas escolhas são a causa da angustia por ser livre.
 Para o filósofo as condições externas como o clima, o país em que nascemos, período histórico e condições sociais e econômicas e tudo mais que não escolhemos, como uma doença congênere, a cor da pele, altura etc. não nos tira a liberdade de escolher, da nossa escolha incondicional no nosso ser, do nosso eu e de mudar o nosso mundo, pois tudo aquilo que foi criado culturalmente e economicamente pela humanidade, pode ser modificado por essa mesma humanidade. O existencialismo é um humanismo na medida em que há um vínculo entre o indivíduo e a humanidade, já que para Sartre, cada um é responsável por todos os homens, pois, criando o homem que cada um quer ser, estaremos sempre escolhendo o bem e nada pode ser bom para um, que não possa ser para todos.

Simone de Beauvoir[7]

A pensadora francesa traz analises existencialistas que vão além do feminismo (embora esse seja o tema mais famoso e relevante da sua obra), a desumanização, a velhice, alteridade e o humanismo perpassam toda a obra de Simone de Beauvoir, longe de ser uma sexista, sua obra mais conhecida “O segundo sexo” não ridiculariza o homem e muito menos se trata de uma guerra dos sexos. Na abertura do segundo volume de “o segundo sexo” a frase marcante “não se nasce mulher, torna-se mulher” causou polêmica entre todos aqueles que, sem ter lido o livro, imaginaram se tratar se sentido literal. Outro grave erro foi interpretar uma frase fora de contexto e de modo infantil, como se a autora estivesse falando da mulher enquanto sexo, anatomia e não de gênero. O que a autora está afirmando é que “nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino”.
Em outras palavras, ela defende a distinção entre sexo e gênero. O primeiro é um fator biológico, ligado à constituição físico-química do corpo humano. Já o segundo é construído pela sociedade, ou seja, ser homem ou ser mulher não é um dado natural, mas algo performático e social — ao longo da história, cada cultura criou os padrões de ação e comportamento de determinado gênero, ou seja, o que homem pode e a mulher não pode, o que é masculino ou feminino etc. No primeiro volume, a autora demonstra, como historicamente houve uma idealização do feminino e como, mesmo no século XX, havia uma busca do ser mulher, produto do romantismo e da sociedade falocêntrica a idealização do feminino chegava ao ridículo de dizer as mulheres para serem mulheres. Simone de Beauvoir questionava como seria possível que uma mulher não fosse mulher, punha em xeque a ideia de naturalização do feminino e do masculino, mostrando como se tratavam de construções culturais e não de condição genética.
Na sua obra a velhice, a autora trata da condição do velho, seu abandono e desumanização por parte do conjunto da sociedade, na medida em que este não se constitui mais em força de trabalho essencial a reprodução do capital.
Segundo Simone de Beauvoir, os Velhos vivem em um mundo que não lhes parece mais o seu; a sociedade destruiu (transformou) o passado, suas paisagens são modificadas, os valores são esquecidos, as pessoas se vão e o Velho vive em um ostracismo. Essa situação de isolamento deixa as pessoas idosas à margem de qualquer pretensa cidadania, sem exercer nenhuma função na sociedade. Simone parte da perspectiva materialista da história marxista, onde a ideologia, o direito e a política se configuram como superestruturas cujo alicerce é a economia entende que uma sociedade fundada na produção de mercadoria s que devem ser descartadas e repostas frequentemente tende a reproduzir na esfera das relações pessoais a prática sistêmica de reprodução do capital. Embora a pensadora, não utilize a expressão (sociometabólico) que de István Mészáros usuraria mais tarde, o sentido é o mesmo, pois a sua análise aponta como a lógica o fetichismo da mercadoria, o desejo pelo novo, o pragmatismo, a velocidade e a obsolescência programada força tudo que está associado ao passado e ao velho a ser descartado e esquecido. Para compreender porque a sociedade é permissiva a esta situação Simone de Beauvoir (1990: p.265) afirma: (...) é a classe dominante que impõem as pessoas seu estatuto; mas o conjunto da população ativa se faz cúmplice dela (...).





[1] Professor de história, filosofia e sociologia
[2] KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano (Doença até a morte). Trad. Adolfo Casais Monteiro. P. 87 a 279 da coleção Os Pensadores. Rio de  Janeiro: Abril Cultural, 1988.
[3] Schopenhauer, Arthur. A Arte de Escrever. São Paulo: Editora L&PM, 2009.
[4] Schopenhauer, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Trad. M. F. Sá Correia. Rio de Janeiro: Contrapontos, 2001.
[5] NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
______________. Assim falou Zaratustra. Trad. Eduardo Nunes Fonseca. São Paulo: Hemus, 1979.
______________. O anticristo. Tradução de André Díspore Cancian. São Paulo: Ciberfil, 2002.
[6] Sartre, Jean Paul. 1987 O existencialismo é um humanismo. 3º edição. Tradução de Rita Correia Guedes. São Paulo. Abril cultural.
[7] BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Trad. Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1990
____________________________O segundo sexo, a experiência vivida. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960b.

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