História e narrativa em Walter Benjamin



 Para Walter Benjamin,  a arte do narrador é também a arte de contar, sem a preocupação de ter que explicar tudo; a arte de reservar aos acontecimentos sua força secreta, de não encerrá-los numa única versão. Ao contrário da coerência psicológica do romance e da plausibilidade da informação jornalística, o relato do narrador permanece irredutível a interpretações posteriores, capaz, por isso mesmo de provocar surpresa e reflexão, mesmo depois de muitos séculos, semelhante, Benjamin diz que as sementes mantidas no vácuo durante vários séculos nas pirâmides, e que até os dias de hoje conservam sua força germinativa.
Para Walter Benjamin, o romance moderno inauguraria uma nova estilística e modelo estético, mas, por outro lado, ele denuncia o empobrecimento da vivência do ser humano e da experiência coletiva (Erfarung) . Esta experiência era refletida anteriormente pelas narrativas de caráter épico, ou seja, fundadas na tradição oral. Aqui nos peço licença para fazer a seguinte reflexão: nos tempos em que a narrativa oral era vista não só como entretenimento, mas como fontes de conhecimentos oriundos da experiência coletiva, as mudanças ocorriam de forma bastante lenta, já nos dias de hoje, as mudanças ocorrem de modo tão rápido que até mesmo os jovens sentem dificuldade em codificá-las e digeri-las. Segundo Gagnebin, Benjamin vislumbra então a morte de um tipo de narrativa, mas, ao mesmo tempo, reivindica uma arte, que à luz da realidade em que vivemos crie um novo vinculo baseado na experiência coletiva entre o mundo do texto e o leitor, ou seja, que o aproxime, seja do campo da história ou da literatura. Segundo Jeanne Marie Gagnebin, para Benjamin, o conceito enfático de experiência no sentido de uma experiência coletiva (Erfarung) permite, assim, a escritura de uma anti-história, porque ao invés de encerrar o passado numa interpretação definitiva, reafirma a abertura de seu sentido, seu caráter inacabado.
    Peter Szondi notou que, Benjamin se afasta de Proust de quem era admirador porque este criava um tempo ilusório (fictício), ou um tempo intersubjetivo, enquanto Benjamin busca na experiência a afirmação de uma temporalidade que prioriza a memória daquilo que é mais relevante para o sujeito em detrimento de uma ordem cronológica. Neste sentido, a coincidência do passado com o presente não deve, para ele, liberar o individuo do julgo do tempo, mas operar uma espécie de condensação que permita ao presente reencontrar, reativar um aspecto perdido do passado, e retomar, por assim dizer, o fio de uma história inacabada, para tecer-lhe a continuação (Benjamin utiliza freqüentemente a metáfora da tecedura em relação à experiência histórica).
 Para Benjamin, o romance moderno aponta para mudanças relevantes no âmbito da comunicação entre as pessoas, além de tudo, trás em seu bojo perspectivas outras em relação ao tempo e, conseqüentemente, a valorização da memória e a maneira como o homem encara a morte, pois o diálogo com o tempo pressupõe um dialogo entre as dimensões de finitude e infinitude que compõem o mundo do texto, mas, certamente, perpassa esse âmbito. Assim, Paul Ricoeur também afirma se o fenômeno da tradição não comportasse esse poder de ordem, tão pouco seria possível apreciar os fenômenos de desvios (...) nem colocar a questão da morte da arte narrativa por esgotamento de seu dinamismo formador. Em outras palavras, a idéia de ordem e de uma temporalidade existe a priori e é exatamente sua existência que permite termos um tempo na obra de arte sempre renovado (recriado).
Para o critico literário Moisés Massaud em seu livro A Criação Literária (1994: p.179-189) o romance moderno é mesmo o lugar de experimentação estilística e temporal, prevalecendo o chamado tempo psicológico em detrimento de tempo cronológico, e, neste sentido, o romancista como se fosse um demiurgo cria personagens que se dispõem num tempo virtual no qual se realizam à semelhança dos seres vivos.   Desta visão, parece que tanto Benjamin como Paul Ricoeur se aproximam. Para Walter Benjamin, o romance moderno reflete, ao mesmo tempo, o avanço da técnica de reprodução de bens culturais e a pobreza do espírito humano na solidão, ou seja, cria-se uma consciência desprendida do mundo concreto. Já Para Paul Ricoeur, a narrativa no romance acabou com a distância entre escritor e leitor que haveria no gênero épico, pois este fala de coisas que estão em movimento no presente, fazendo com que o leitor se identifique com a obra.
Uma outra crítica brasileira, Samira Nahid de Mesquita, nos falará sobre a subtração do enredo tradicional dentro da estrutura narrativa do romance moderno. O enredo pressupõem um encadeamento lógico de acontecimentos, não exatamente cronológico, mas, no entanto, é necessário que haja um princípio norteador da trama. Para Samira Nahid, o enredo se configura como a apresentação/representação de situações, de personagens da história envolvidos e as sucessivas transformações que vão chegar a um final, que chamamos o desfecho do enredo. Assim, podemos dizer que o enredo contém uma história. É o corpo de uma narrativa.
Pois bem, tanto Walter Benjamin como Paul Ricoeur constatam que a narrativa moderna marca não somente uma mudança de estilo literário, mas aponta para uma mudança que perpassa o campo das comunicações sociais, e, neste sentido, nem a morte nem o tempo parecem ser mais os mesmos, tão pouco o homem. Observa-se nas palavras de Paul Ricoeur: são, pois, temporalidades mais ou menos tensas que a narrativa de ficção detecta, a cada vez oferecendo uma figura diferente da unificação, da eternidade no tempo ou fora do tempo e, eu acrescentaria, da relação secreta com a morte.
  Walter Benjamin e Paul Ricoeur têm em comum o fato de que ambos abordam o símbolo como um ser fraturado, que não encerra em si mesmo um sentido absoluto. Segundo Jeanne M. Gagnebin, Benjamin partilha da idéia de românticos como Goethe de que o símbolo é, a alegoria significa; o primeiro faz fundir-se significante e significado, a segunda os separa. E para Ricoeur (1995.p.30): um símbolo literário é essencialmente uma estrutura verbal hipotética, isto é, uma suposição e uma asserção.  Neste sentido, ambos pressupõem, ao nosso entender, uma leitura alegórica tanto no âmbito da história, como principalmente da literatura, devido exatamente a este caráter binário do símbolo lingüístico.
Como se percebe, literatura e história têm algo em comum, a linguagem, e algo bem comum e especial – a narrativa – não há como contar sem narrar nem narrar, sem a arte de contar. E enquanto linguagem, a ciências (lingüística e filosofia)  já evidenciaram o caráter alegórico da mesma, em outras palavras, a verdade não pode ser apreendida em sua totalidade, o que não quer dizer que não devemos buscá-la da maneira mais seria e persistente.
Faz-se tão importante o lembrar como o esquecer para uma compreensão ampla da história. Ambos têm uma função primordial para tecedura da história. O ato de narrar tem as nuances. Quem conta ou narra uma história para outrem sempre o faz sob determinado ponto ou como poderíamos dizer, parte-se de um referente. Fazendo uma análise mais sociológica da questão, cada indivíduo conta sua história situado no seu tempo e a partir de uma óptica e da educação da classe a qual pertence ou foi formado.    
Segundo Walter Benjamin, a história não é um continuum progressivo como afirmavam os historicistas da socialdemocracia, os positivistas, que queriam reduzir a experiência da guerra a números em conjuntos de tabelas. Ao contrário, a história é feita mesma de corte, de lacunas que não podem ser totalmente preenchidas. Cabe ao historiador materialista mostrar estas arestas, desvelar estes abismos que a historiografia oficial tende a preencher com seus dados correntes e com seus registros cartoriais.





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