Como se coloca o problema de Deus hoje
Hoje o tema de Deus está em alta. Alguns em nome da ciência pretendem
negar sua existência como o biólogo Richard Dawkins com seu livro Deus,
um delírio (São Paulo 2007). Outros como o Diretor do Projeto Genoma,
Francis Collins com o sugestivo título A linguagem de Deus (São Paulo
2007) apresentam as boas razões da fé em sua existência. E há outros no
mercado como os de C.Hitchens e S.Harris.
No meu modo de ver, todos estes questionamentos laboram num equívoco epistemológico de base que é o de quererem plantar Deus e a religião no âmbito da razão.
O lugar natural da religião não está na razão, mas na emoção profunda, no sentimento oceânico, naquela esfera onde emergem os valores e as utopias. Bem dizia Blaise Pascal, no começo da modernidade: “é o coração que sente Deus, não a razão” (Pensées frag. 277). Crer em Deus não é pensar Deus, mas sentir Deus a partir da totalidade do ser.
Rubem Alves em seu Enigma da Religião (1975) diz com acerto: “A intenção da religião não é explicar o mundo. Ela nasce, justamente, do protesto contra este mundo descrito e explicado pela ciência. A religião, ao contrário, é a voz de uma consciência que não pode encontrar descanso no mundo tal qual ele é, e que tem como seu projeto transcendê-lo”.
O que transcende este mundo em direção a um maior e melhor é a utopia, a fantasia e o desejo. Estas realidades que foram postas de lado pelo saber científico voltaram a ganhar crédito e foram resgatadas pelo pensamento mais radical inclusive de cunho marxista como em Ernst Bloch e Lucien Goldman. O que subjaz a este processo é a consciência de que pertence também ao real o potencial, o virtual, aquilo que ainda não é, mas pode ser. Por isso, a utopia não se opõe à realidade. É expressão de sua dimensão potencial latente.
A religião e a fé em Deus vivem desse ideal e desta utopia. Por isso, onde há religião há sempre esperança, projeção de futuro, promessa de salvação e de vida sem fim. Elas são inalcançáveis pela simples razão técnico-científica que é uma razão encurtada porque se limita aos dados sempre limitados. Quando se restringe apenas a essa modalidade, se transforma numa razão míope como se nota em Dawkins. Se o real inclui o potencial, então com mais razão o ser humano, cheio de ilimitadas potencialidades. Ele, na verdade, é um ser utópico. Nunca está pronto, mas sempre em gênese, construindo sua existência a partir de seus ideais, utopias e sonhos. Em nome deles mostrou o melhor de si mesmo.
É deste transfundo que podemos recolocar o problema de Deus de forma sensata. A palavra-chave é abertura. O ser humano mostra três aberturas fundamentais: ao mundo transformando-o, ao outro se comunicando, ao Todo, captando seu caráter infinito, quer dizer, sem limites.
Sua condition humaine o faz sentir-se portador de um desejo infinito e de utopias últimas. Seu drama reside no fato de que não encontra no mundo real nenhum objeto que lhe seja adequado. Quer o infinito e só encontra finitos. Surge então uma angústia que nenhum psicanalista pode curar. É daqui que emerge o tema Deus. Deus é o nome, entre tantos, que damos para o obscuro objeto de nosso desejo, aquele sempre maior que está para além de qualquer horizonte.
Este caminho pode, quem sabe, nos levar à experiência do cor inquietum de Santo Agostinho: “meu coração inquieto não descansará enquanto não repousar em ti”.
Por Leonardo Boff, Teólogo e Filósofo
No meu modo de ver, todos estes questionamentos laboram num equívoco epistemológico de base que é o de quererem plantar Deus e a religião no âmbito da razão.
O lugar natural da religião não está na razão, mas na emoção profunda, no sentimento oceânico, naquela esfera onde emergem os valores e as utopias. Bem dizia Blaise Pascal, no começo da modernidade: “é o coração que sente Deus, não a razão” (Pensées frag. 277). Crer em Deus não é pensar Deus, mas sentir Deus a partir da totalidade do ser.
Rubem Alves em seu Enigma da Religião (1975) diz com acerto: “A intenção da religião não é explicar o mundo. Ela nasce, justamente, do protesto contra este mundo descrito e explicado pela ciência. A religião, ao contrário, é a voz de uma consciência que não pode encontrar descanso no mundo tal qual ele é, e que tem como seu projeto transcendê-lo”.
O que transcende este mundo em direção a um maior e melhor é a utopia, a fantasia e o desejo. Estas realidades que foram postas de lado pelo saber científico voltaram a ganhar crédito e foram resgatadas pelo pensamento mais radical inclusive de cunho marxista como em Ernst Bloch e Lucien Goldman. O que subjaz a este processo é a consciência de que pertence também ao real o potencial, o virtual, aquilo que ainda não é, mas pode ser. Por isso, a utopia não se opõe à realidade. É expressão de sua dimensão potencial latente.
A religião e a fé em Deus vivem desse ideal e desta utopia. Por isso, onde há religião há sempre esperança, projeção de futuro, promessa de salvação e de vida sem fim. Elas são inalcançáveis pela simples razão técnico-científica que é uma razão encurtada porque se limita aos dados sempre limitados. Quando se restringe apenas a essa modalidade, se transforma numa razão míope como se nota em Dawkins. Se o real inclui o potencial, então com mais razão o ser humano, cheio de ilimitadas potencialidades. Ele, na verdade, é um ser utópico. Nunca está pronto, mas sempre em gênese, construindo sua existência a partir de seus ideais, utopias e sonhos. Em nome deles mostrou o melhor de si mesmo.
É deste transfundo que podemos recolocar o problema de Deus de forma sensata. A palavra-chave é abertura. O ser humano mostra três aberturas fundamentais: ao mundo transformando-o, ao outro se comunicando, ao Todo, captando seu caráter infinito, quer dizer, sem limites.
Sua condition humaine o faz sentir-se portador de um desejo infinito e de utopias últimas. Seu drama reside no fato de que não encontra no mundo real nenhum objeto que lhe seja adequado. Quer o infinito e só encontra finitos. Surge então uma angústia que nenhum psicanalista pode curar. É daqui que emerge o tema Deus. Deus é o nome, entre tantos, que damos para o obscuro objeto de nosso desejo, aquele sempre maior que está para além de qualquer horizonte.
Este caminho pode, quem sabe, nos levar à experiência do cor inquietum de Santo Agostinho: “meu coração inquieto não descansará enquanto não repousar em ti”.
Por Leonardo Boff, Teólogo e Filósofo
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